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Incidente do Passo Dyatlov - O Mistério Nunca Explicado ( EXCLUSIVO)

Artigo de :  Natália Dyakonova-Moscou, Rússia
O Passo Dyátlov.

A Rússia é rica em zonas anômalas. Também existem na Óblast (Região) de Sverdlovsk, sendo a mais famosa delas a altitude 1096 (nos mapas antigos, 1079), no seu extremo norte. O povo mansi, que vive ali há muito, em seu idioma, chama esse lugar de “Kholat Syakhyl” (Холат Сяхыл), ou a “Montanha dos Mortos”. Os mansi são parentes dos índios norte-americanos e se dedicam, principalmente, à caça e criação de cervos.

Na encosta desta montanha, muito afastada da habitação humana, em 1959, pereceu em circunstâncias misteriosas, um grupo de nove turistas experientes, liderados por Ígor Dyátlov. Em sua homenagem, este lugar ficou tristemente conhecido como o Passo Dyátlov (Перевал Дятлова), no qual todos pereceram. Na época, os juízes de instrução concluíram sobre os resultados da investigação que “a causa da morte foi por conta de uma força elementar que os turistas não puderam superar”. Mas, qual seria essa força misteriosa que não deixou testemunhas? Tentaremos entendê-la ao longo desse artigo. 

Neste trabalho reproduzimos fotografias tomadas pelos membros do grupo de Dyátlov durante a sua última e fatal caminhada. Essas fotos foram tomadas pelas câmeras fotográficas levadas pelos jovens, as quais foram encontradas posteriormente, durante as buscas pelo grupo desaparecido. 

Como tudo começou

Imagine o que ocorria na então União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS) na segunda metade da década de 1950. Havia se passado apenas 14 anos da devastação causada pela Segunda Guerra Mundial, chegando ao fim da sufocante era de Stalin e iniciando-se um período de “degelo” político de Nikita Khrushchev, o “último romântico do socialismo”, como foi chamado pelos pesquisadores em história.

Nesse cenário positivo, o povo soviético estava cheio de otimismo, olhava corajosamente para o futuro. A ciência e a indústria estavam se desenvolvendo a ritmos acelerados; já se voava pelo espaço e os primeiros  satélites artificiais da Terra eram lançados pelos soviéticos.

Aqueles anos dourados para a União Soviética também foram marcados por um florescimento incomparável do turismo esportivo, especialmente, entre os estudantes. Em 1957, o turismo esportivo foi introduzido oficialmente na Classificação Esportiva Única da URSS. A nova modalidade esportiva rapidamente se tornou popular: dava a oportunidade de visitar lugares novos, expandir os horizontes pessoais, fazer novas amizades e conversar intimamente com velhos amigos ao redor de uma fogueira, cantar canções de sua própria autoria ao som de um violão, provar a sua resistência e aperfeiçoar a sua preparação física. Clubes especializados em turismo esportivo foram criados em quase todas as escolas e em todas as instituições do ensino superior. Duas vezes por ano — durante as férias de inverno e de verão — era possível encontrar em todo o país, multidões de jovens envergando jaquetas impermeáveis, saindo com as suas mochilas para a próxima caminhada.

Os turistas escolares na década de 1950.

O UPI (sigla em russo para o Instituto Politécnico de Ural), atual Universidade Técnica Estadual de Ural, contava com destacados atletas naquela época. O UPI está sediado na cidade de Sverdlovsk (atual Yekaterimburgo), como foi chamada durante a era soviética. A cidade foi, e ainda é um importante centro tecnológico, inclusive, para o complexo militar-industrial. No Instituto que se destacou por gerar tantos talentos para a engenharia soviética, formou-se, em 1955, Boris Yeltsin, que viria a se tornar o primeiro presidente da Rússia.

Cidade de Sverdlovsk, Instituto Politécnico de Ural, em cartão postal da década de 1950.

Em dezembro de 1958, um grupo de estudantes universitários, todos turistas experientes, planejou uma grande caminhada turística na terceira e mais alta categoria de dificuldade. Eles passariam pelo norte da Óblast de Sverdlovsk, buscando o cume do monte Otortén.

As preparações para essa viagem se estenderam ao longo dos meses de dezembro de 1958 e janeiro de 1959, durante os quais, os estudantes ainda estavam prestando seus exames. A caminhada deveria ser realizada somente nas férias de inverno.

O número de participantes mudou várias vezes, pois alguns dos estudantes que se inscreveram para a caminhada, posteriormente, e sem motivo aparente, se recusavam a participar. Este é um dado curioso, pois, de acordo com as estatísticas, em aviões, navios ou trens que sofreram acidentes não se apresentaram, geralmente, de 16 a 17 por cento dos passageiros previstos, conforme também se passou neste caso trágico.

Desta forma, em vez dos previstos 14 participantes, saíram para a caminhada liderada por Ígor Dyátlov, 10 pessoas, sendo seis estudantes do UPI, três jovens engenheiros, que há apenas seis meses tinham recebido seus diplomas. Ainda no início da caminhada, se uniu ao grupo um instrutor de acampamento turístico, o mais velho de todos, Semyon Zolotaryov, de 37 anos, conhecido unicamente por Dyátlov.

Durante as férias de inverno de 1959, no mesmo dia 23 de janeiro, vários grupos de estudantes  do quarto e quinto ano do UPI partiram para as viagens de esqui em várias categorias de dificuldade.

O grupo que empreendeu uma caminhada em segunda categoria para o Ural do Sul, foi liderado por Mikhail Sharávin, um estudante do quarto ano. Pela rota da viagem da terceira, ou mais alta categoria de dificuldade, pelo Ural Polar, seguiu o grupo de estudantes do quarto ano, sob a direção de Serguei Sógrin. Nas rotas similares da terceira categoria pelo Ural do Norte partiram ao mesmo tempo e, até no mesmo vagão do trem, os grupos de Yuri Blinov e Ígor Dyátlov. Vários grupos fizeram suas viagens pelas rotas clássicas do Médio Ural.

Deste modo, naquele inverno de 1959, praticamente todo o Ural estava coberto por uma rede de rotas de esqui da seção turística do clube esportivo do UPI. Aquela foi uma grande conquista do turismo estudantil amador. Particularmente, pareciam atraentes as rotas pelo Ural Polar, onde estava prevista uma experiência turística nova para os estudantes do UPI: tratava-se de três subidas invernais aos cumes dos montes Sáblya, Neroyka e Telpos
íz.

A rota do grupo de Ígor Dyátlov pareceu não menos atraente: pretendiam subir a misteriosa montanha de Otortén, o topo da crista Poyasóviy no Ural do Norte. Na língua mansi, o nome Otortén significa "Não vá lá".

Ural do Norte no inverno (foto: autor desconhecido)

O grupo de Dyátlov foi uma das equipes esportivas mais fortes e experientes da seção turística do UPI e o seu líder era altamente respeitado, não só dentro de sua equipe, mas também entre os turistas da seção turística da cidade. 
 

Não era fácil de entrar na sua equipe. Ele colocava altas exigências não só quanto à resistência e força física dos participantes, mas também às qualidades morais da pessoa, como o senso de camaradagem, comunicação, paciência, bondade, capacidade para se relaxar e apreciar a beleza da natureza.

Para melhor compreendermos o comportamento e as ações dos membros do grupo na posterioridade, apresentamos a seguir, uma síntese de seus respectivos perfis.

 
— Ígor Dyátlov, nascido em 1937, foi líder da fatídica caminhada, estudante do 5º ano da Faculdade de Radiotécnica do UPI, especialista altamente erudito e, definitivamente, um engenheiro talentoso. Para 1959, Ígor já tinha uma grande experiência de longas caminhadas em diferentes graus de dificuldade e, entre os membros da seção turística do clube esportivo do UPI, ele foi considerado um dos esportistas mais experientes. As pessoas que conheciam Ígor se lembram dele como um homem pensativo e que não tinha inclinação para decisões precipitadas. 


— Yuri Doroshenko, nascido em 1938, era estudante da Faculdade de Máquinas de Elevação e Transporte do UPI. Era considerado um turista bem preparado, com experiência de longas caminhadas em diferentes graus de dificuldade. Conhecia de perto o restante do grupo.

— Lyudmila Dubínina, nascida em 1938, era estudante do 3º ano da Faculdade de Engenharia e Economia do UPI. Desde os seus primeiros dias no instituto, ela teve uma participação ativa no seu clube esportivo. Cantava excelentemente e gostava de fotografia, inclusive, muitas das fotos da caminhada de inverno de 1959 foram tomadas por ela. A jovem tinha uma considerável experiência turística. Durante uma caminhada nos montes Sayan Orientais, em 1957, sofreu um ferimento na perna por causa de um tiro acidental de um caçador que acompanhava os estudantes e suportou corajosamente o ferimento, até receber o doloroso transporte. Logo depois, em fevereiro de 1958, ela mesma liderou uma caminhada na segunda categoria de dificuldade pelo Ural do Norte.

— Aleksandr Kolevátov, nascido em 1934, era estudante do 4º ano da Faculdade de Física e Tecnologia do UPI. Para 1959, ele também tinha experiência em caminhadas turísticas nas diferentes categorias de dificuldade. Ordenado até ponto de pedantismo, era responsável, contido, com traços de líder. 

— Zinaída Kolmogórova, nascida em 1937, era estudante do 4º ano da Faculdade de Radiotécnica do UPI. Igualmente aos demais, ela tinha uma vasta experiência em caminhadas pelo Ural e Altai em variados graus de dificuldade. Durante uma das viagens a jovem foi mordida por uma víbora, permanecendo um tempo entre a vida e a morte. Resistiu com muita coragem e dignidade ao sofrimento que lhe tocou. Por seu destacado carisma, Zinaída se dava muito bem com outras pessoas ao seu redor. Era capaz de consolidar o coletivo e sempre foi uma convidada bem vinda em qualquer meio estudantil, pois era querida de todos.

— Gueorgui Krivoníschenko, nascido em 1935, se graduou pelo UPI em 1958. Em 1959 era um engenheiro principiante. Amigo de Dyátlov, ele participou de quase todas as caminhadas anteriores realizadas por Ígor. Gueorgui era também amigo de quase todos os demais participantes da caminhada que, muitas vezes, frequentavam o apartamento de seus pais, em Sverdlovsk. 

— Rustem Slobodín, nascido em 1936, era graduado pelo UPI e participou durante alguns anos de caminhadas em vários graus de dificuldade.  Ele era, sem dúvida, um turista experiente. Um jovem muito atlético, ativo e resistente, se apaixonara pelas corridas de longa distância. Também tocava perfeitamente o bandolim, instrumento que levou na caminhada.

— Nikolay Thibeaux-Brignoles, nascido em 1934, era graduado pela Faculdade de Construção do UPI em 1958. Pensava-se que era filho de um comunista francês, reprimido durante os anos de Stalin, e de uma russa.

Tal foi a lenda que contava Nikolai mesmo, para evitar problemas desnecessários relacionados ao seu sobrenome incomum. Na verdade, Nikolai veio da família russificada dos Thibeaux-Brignoles. O bisavô de Nikolai era um mecânico francês, François Thibeaux-Brignoles, veio para a Rússia no final do século XVIII ou no início do XIX, instalando-se em São Petersburgo e casando-se com uma russa. Um dos seus filhos se tornou arquiteto, e o outro, engenheiro de minas. O neto, que viria ser pai de Nikolai, também se tornou um engenheiro de minas. Em 1931, durante as repressões de Stalin, foi condenado a 10 anos, com um grande grupo de engenheiros e técnicos, pelo caso do “Partido Industrial” (era por isso que Nikolai não gostava de responder questões sobre a família). O irmão mais velho de Nikolai, Vladimir, morreu nas frentes da Segunda Guerra Mundial.

Nikolay era um amante de livros, pessoa amigável, com destacado senso de humor. Era um aventureiro cheio de energia. Tinha experiência em caminhadas turísticas em várias categorias de dificuldade, conhecia bem os membros do clube turístico do Instituto.

— Yuri Yúdin, nascido em 1937, era estudante do 4º ano da Faculdade de Engenharia e Economia do UPI. Já estando no instituto, se interessou pelo turismo e fez um total de seis longas caminhadas em várias categorias de dificuldade, incluindo a terceira e mais alta. A imagem de Yuri acima foi tomada durante a trágica caminhada.

 
— Semyon (Aleksandr) Zolotaryov, nascido em 1921, era o membro mais velho da caminhada. Nos anos de 1950, ele trabalhava como instrutor chefe para o turismo no acampamento turístico “Koúrovskaya”. Participou da Segunda Guerra Mundial e recebeu quatro condecorações militares.

Ainda que, pelos documentos, seu verdadeiro nome era Semyon, sempre pediu para que lhe chamassem “Sasha” (diminutivo de Aleksandr). Este curioso fato dá aos fãs de espionagem e versões criminosas um amplo espaço para a imaginação. Mas a explicação é simples: de acordo com as fotos que ficarão e as opiniões de Yuri Yudin, Zolotaryov era a 'alma da companhia' e um 'galanteador', o que explica, a propósito, o seu estado de solteiro. Na época, o nome “Sasha (Aleksandr)” foi muito popular no culto ambiente urbano, enquanto o nome “Semyon” (Simão) era considerado muito mais rústico, ou folclórico, sendo o próprio Zolotaryov um nativo de áreas rurais, e seus pais, umas pessoas muito simples. Numa das fotos, Zolotarev, vestido como um dândi urbano, aparece sentado ao lado de seus idosos pais rurais e é possível notar que ele queria pertencer a um meio social diferente. Obviamente, Zolotaryov não gostava do seu original nome rústico e pediu às pessoas do seu círculo que pelo menos lhe tratassem pelo nome de moda.

A caminhada

Os membros do grupo decidiram realizar uma caminhada de terceiro grau, ou seja, na maior categoria de dificuldade, dedicando-a ao próximo XXIº Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Não apenas pelo fato de ser então uma prática popular a dedicação de algumas das conquistas pessoais aos eventos importantes do país, mas também porque os jovens eram todos membros da Komsomol, a União da Juventude Comunista. Além disso, tal dedicatória dava ao grupo um aparente status oficial, numa oposição ao “turismo selvagem”.

O que é a “terceira categoria de dificuldade” para uma caminhada turística como essa? Segundo a classificação da década de 1950, isso significava que deveriam ser cobertos pelo menos 350 quilômetros, cuja duração da caminhada seria de pelo menos 16 jornadas, das quais, oito delas seriam caminhar em uma área pouco povoada, além de se fazer pelo menos seis pernoites no campo, utilizando-se de uma tenda. Ígor Dyátlov, no entanto, pretendia realizar um número duas vezes superior de tais pernoites.

A rota da caminhada foi projetada pelo próprio Dyátlov. Partindo de Sverdlovsk, o grupo devia seguir de trem até a pequena cidade de Serov, depois, também de trem, até a vila de Ivdel e, finalmente, de ônibus, até a vila de Vijay. De Vijay, o grupo seguiria em esquis até a vila de Vtoróy Séverniy, seguindo para o noroeste, através do vale do rio Áuspiya e os afluentes do rio Lozva, rumo ao monte Otortén.

Rota de Sverdlovsk até o monte Otortén.

Depois de subir até o topo do Otortén, planejavam virar para o sul, atravessando à longa serra Poyasóviy Kámen (“Pedra do Cinto”), passando pelas cabeceiras das nascentes dos rios Unya, Vischera e Niols, até o monte Oyko-Tchakur (Oykatchahl). De Oyko-Tchakur, seguiriam para a direção leste, através do vale do rio Tóshemka e, novamente, para a vila de Vijay. Eles pretendiam fazer da mesma forma com relação a Sverdlovsk. 

Rota de Ivdel até Otortén: a linha amarela mostra o caminho percorrido, a linha vermelha mostra o
caminho que os turistas não conseguiram percorrer. O Passo Dyátlov é o lugar em que o grupo pereceu.

Em 23 de janeiro de 1959, o grupo saiu de Sverdlovsk, chegando à Serov às 7 horas da manhã do 24 e passando o dia inteiro nesta pequena cidade. Paralelamente ao grupo de Dyátlov, também chegou até Serov e Ivdel, o grupo de turistas sob direção de Yuri Blinov. Ali suas rotas divergiam: o grupo de Blinov seguiria para o oeste, até a serra Molebny Kámen (“Pedra da Oração”) e o monte Isherim (1331 metros), e o grupo de Dyátlov, seguiria para o noroeste, até a serra Poyasóviy Kámen e o monte Otortén (1182 metros).

Em Serov, o grupo se acomodou para descansar em uma escola local, onde foram recebidos com grande entusiasmo, propiciando boas condições para sua hospedagem. Os alunos escolares os “torturavam” com perguntas sobre turismo, equipamentos e assuntos afins. As crianças eram especialmente cativadas por Zina, e quando o grupo partia, a meninada costumava chorar, não desejando se despedir dela. 

Zina na escola, em foto tomada durante a última caminhada.

Chegaram a Ivdel, vindos de trem de Serov e ali eles pernoitaram na própria estação. Na manhã seguinte, já no primeiro ônibus, o grupo seguiu para Vijay. O interior do ônibus era apertado com as mochilas e equipamentos, mas isso não impediu aos jovens turistas de cantar suas canções prediletas durante todo o caminho. Em Vijay, eles se acomodaram em um modesto hotel local.

Após Vijay, os turistas ainda pernoitaram mais duas vezes sob um teto: foram levados por um caminhão até a vila “41 kvartal” (“Bairro 41”), onde moravam os madeireiros e onde os componentes foram instalados em uma habitação coletiva. Ali, conversaram gostosamente com os moradores locais, chegando a anotar textos de algumas canções novas que aprenderam com eles. À noite, mesmo na habitação coletiva, parte do grupo assistiu à “Sinfonia de Ouro” - belo filme musical austríaco, de 1956, sobre patinadores artísticos e balé no gelo, dando-lhes excelente ânimo. Alguns turistas aproveitaram para ajustar o equipamento de esquis.

Este caminhão leva-os diretamente à morte. Todos estão se divertindo e somente
Yuri Yudin (de pé, à direita) pressente claramente que algo mau está por vir.

 
 O grupo se despede dos madeireiros locais.

No dia seguinte, eles receberam um carrinho, no qual foi carregado o equipamento, e eles, sem a bagagem, esquiando, puderam alcançar a vila desabitada de Vtoróy Séverniy (“Segundo do Norte”), onde passaram a noite em uma casa abandonada.

 Imagem mostra o grupo já nos esquis e um cavalo puxando as bagagens.

A desértica localidade de Vtoróy Séverniy (“Segundo do Norte”).

Foi no quinto dia da caminhada que surgiria uma surpresa desagradável: Yuri Yúdin adoeceu. Ele se queixava de uma dor nas costas, caminhava lentamente e atrasava o restante do grupo. Por isso, ficou decidido que ele deveria abandonar a rota. Assim foi feito e ao abandonar a caminhada, Yuri Yúdin cedeu aos companheiros a sua bagagem e roupas quentes. No total, 40 quilos de bagagem foram repartidos entre os membros do grupo. Despedindo-se dos companheiros, Yuri pegou o caminho de volta.

Zina se despede de Yuri Yúdin, à direita, Semyon Zolotaryov (foto tomada na última caminhada).

Lyuda Dubínina se despede de Yuri Yúdin.

Ninguém do grupo podia então supor que aquela seria uma despedida para sempre e que, naquele momento, o mal-estar estava salvando a vida de Yuri. Posteriormente, com base nos relatos de Yuri, como também através dos diários encontrados dos membros do grupo, foi reconstituída a rota da caminhada.

Ao despedir-se de Yuri, Ígor Dyátlov pediu para que ele informasse ao clube turístico do Instituto que eles enviariam um telegrama de Vijay, não no dia 10, mas em 12 de fevereiro, e voltariam à Sverdlovsk, não no dia 12, mas no 14.

Nos meados de fevereiro, outros grupos de turistas começaram a retornar das suas rotas para Sverdlosvk. Regressaram os grupos de estudantes sob direção de Yuri Blinov e Mikhail Sharávin.

Mas do grupo de Dyátlov, não houve notícia alguma.  

Em 12 de fevereiro, o grupo de Dyátlov deveria enviar um telegrama de Vijay, noticiando sobre o fim da caminhada, e em 14 de fevereiro deveria retornar a Sverdlovsk. Mas, o telegrama não chegou nem no dia 15, bem como o grupo não retornou.

O desaparecimento

Os primeiros a dar o alarme foram os pais da Dubínina e Slobodín e a irmã de Aleksandr Kolevátov, como também Yuri Blinov, líder daquele outro grupo de turistas do UPI que realizou o início da caminhada junto com o grupo de Dyátlov, de Sverdlovsk até Ivdel.

A direção do clube turístico e a Faculdade de Educação Física do UPI não manifestaram preocupação por mais dois dias, pois já haviam ocorrido casos de atraso dos grupos por diferentes razões. Mas, ao longo dos próximos dois dias, a ausência dos jovens e as respostas negativas às inquirições em Vijay e Ivdel sobre a volta do grupo de Dyátlov, já indicavam, com certeza, que um imprevisto havia se sucedido.

Iniciou-se a busca por esclarecimentos. Primeiramente, interrogaram: para aonde, enfim, foi o grupo de Dyátlov? Descobriu-se que no clube esportivo não havia cópia da agenda da rota tomada pelo grupo. Dyátlov formalizou, de acordo com o prescrito, três cópias de mapas da rota: uma para ser levada consigo, a outra para ser entregue ao clube esportivo do instituto e, a terceira, aparentemente, era de reserva. Assim, por ordem obrigatória era necessária a apresentação da rota. O fato de o mapa da rota não ter sido entregue ao clube esportivo, resultou de um “duplo” erro de Dyátlov: ele não tinha comunicado sobre a rota nem em pessoa, nem posteriormente, através de Yúdin.

Enfim, a rota do grupo era desconhecida. Isso criava imensas dificuldades na projeção das buscas.

A organização das operações de resgate foi assumida pelo mestre do Esporte no Turismo Evgueny Máslennikov e o coronel Gueorgui Ortyukov, diretor da Faculdade Militar daquele Instituto. Na época, os estudantes dos estabelecimentos de ensino superior soviéticos não serviam o exército, mas recebiam a preparação militar em tais faculdades, obtendo, ao finalizar os estudos, não apenas o diploma profissional, mas também a patente de oficial inferior.

Gueorgui Ortyukov e Evgueny Máslennikov

Os investigadores interrogaram os amigos e parentes dos desaparecidos na tentativa de recuperar a rota tomada por Dyátlov. Convidado pelos seus parentes, Yuri Yúdin, que estava descansando após o regresso da caminhada, foi convocado para prestar depoimentos. No dia 19 de fevereiro conseguiram reconstituir uma rota aproximada. Naquele mesmo dia, o coronel Ortyukov seguiu até Ivdel para organizar o estado-maior nas operações de busca.

Esquema de disposição das equipes de busca do grupo de Dyátlov.
(Mapa do pesquisador Evgueny Buyánov)

Setas amarelas — caminho do grupo de Dyátlov.
Linha amarela pontilhada — rota de Dyátlov, suas variantes de reserva e saídas de emergência.
Setas vermelhas — caminho de Slobtsov.
Ovais de linha branca pontilhada — áreas de busca das equipes.
Nos marcos brancos — sobrenomes dos chefes das unidades.
Setas brancas em negrito com número — lugar de desembarque das equipes e seu número.
Setas brancas pontilhadas — reunião das equipes no vale do rio Áuspiya.
Triângulo vermelho — tenda de emergência do grupo de Dyátlov.
Triângulos azuis — acampamento da Equipe de Resgate em Áuspiya.

O esquema geral da rota era claro: da vila Vtoróy Séverniy o grupo de Dyátlov teria passado para o nordeste, pelo vale do rio Lozva e as suas nascentes até o monte Otortén (1182 m). Depois de atingir este ponto eles teriam planejado voltar bruscamente para o sul, passando ao longo do lado ocidental da serra Poyasóviy Kámen, pelas cabeçeiras das nascentes dos rios Unya, Vischera e Niols até o monte Oyko-Tchakur (ou Oykatchahl, 1322 m). De Otortén para Oyko-Tchakur são 70 quilômetros em linha reta, mas na realidade os “dyátlovianos” (dyátlovtsy) deviam passar 100 quilômetros pela cordilheira e as cabeçeiras dos rios Unya e Vischera. De Oyko-Tchakur, em direção leste, pelos vales dos rios Málaya Tóshemka (“Tóshemka Pequeno”) ou Bolsháya Tóshemka (“Tóshemka Grande”) até sua confluência no rio Sévernaya Tóshemka (“Tóshemka do Norte”); passando pelo vale deste rio, o grupo devia pegar a estrada para a vila de Vijay, fechando então, o círculo da caminhada. Assim, a caminhada deveria terminar com o retorno através de Vijay — Ivdel — Serov até Sverdlovsk.

Ainda que esse esquema geral da rota fosse mais ou menos claro, existiam inúmeras variantes da sua passagem em diferentes trechos, especialmente, na fase final da caminhada. Nem estariam claras quais seriam as nascentes do Lozva, pelas quais o grupo devia passar em seu trecho inicial até Otortén.

Foi em algum dos trechos desta rota que o grupo desapareceu.

Em 20 de fevereiro foi realizada uma reunião de turistas do UPI sob o lema de “Estado de emergência do grupo de Dyátlov!”. Esse evento deveria tratar da mobilização e capacitação dos grupos de busca. Foram cadastradas 70 pessoas. A equipe de busca e salvamento foi composta unicamente por rapazes fortes, que tinham experiência turística e com o uso de equipamentos. Estudantes do sexo feminino auxiliaram ativamente aos homens na organização da logística, como a comunicação, preparativos, transferência de informações etc. Elas também promoveram a convocação de voluntários dentre outros rapazes, seus conhecidos, para tomar parte nas buscas.

Em 22 de fevereiro o estado-maior para os trabalhos de busca do instituto formou seis grupos de busca. Para liderar esses grupos, foram indicados os turistas com experiência de liderança em várias caminhadas. Foi decidido deslocar o grupo de Vladislav Karélin, que se encontrava em caminhada aproximadamente em torno da área das buscas, diretamente para essa área, fornecendo-lhe alimentos. Também se prontificou às buscas, um grupo de militares da divisão das tropas interiores do Ministério do Interior, liderado em Ivdel pelo capitão Chernyshóv. Um pouco mais tarde, se uniram aos buscadores os guias Moiséyev e Mostovóy, com cães de busca e serviço, e mais tarde, os sapadores do coronel Shestopálov com detectores de minas.

Também foram atraídas para as buscas, as populações locais, como as famílias dos indígenas mansi. Também se uniram aos grupos de busca alguns outros moradores locais, como caçadores e guias, e um pouco mais tarde, geólogos-radioperadores, com equipamentos de rádio portátil para se comunicar. Foram interrogados ativamente os caçadores, prospectores e moradores da zona, para saber se eles tinham visto o grupo turístico de Dyátlov naquelas imediações. Todos foram convidados a comunicar ao estado-maior, caso encontrassem qualquer rastro do grupo desaparecido.

O reconhecimento aéreo da área das buscas começou em 21 de fevereiro. O pessoal do resgate sobrevoou a rota dos dyátlovtsy, mas não encontraram nada. A área de busca era enorme, às vezes estorvavam muito as condições meteorológicas desfavoráveis. A visão geral a partir da aeronave era muito limitada, de modo que era quase impossível encontrar o grupo ou avistar as pistas de esquis na neve, nas vastidões da taiga, a floresta de coníferas ou floresta boreal.

O coronel Ortyukov e Evgueny Máslennikov decidiram estreitar a zona das buscas. O padrão seguido pelas equipes de resgate era na seguinte ordem: o grupo desembarcava na área de busca, dividindo-se em várias unidades de pesquisa de dois ou três homens, que durante um dia realizavam a busca dos rastos em direções diferentes, tentando adivinhar o caminho que o grupo de Dyátlov poderia ter seguido. Depois, a equipe de resgate inteira trasladava-se para um ponto novo na suposta rota dos dyátlovtsy, montando outro acampamento e empreendendo uma nova busca.

Um dos grupos de resgate, no centro, Boris Slobtsov.

Em 24 de fevereiro, os caçadores mansi informaram que no rio Áuspiya, aproximadamente entre 14 e 16 de fevereiro, eles avistaram restos de um recente acampamento de algum grupo de turistas: havia vestígios de fogueira próximos ao local em que se encontrava instalada a tenda. Como outros grupos de turistas não tinham passado por aquela área de busca, ficou claro que o acampamento abandonado muito provavelmente teria sido uma das bases do grupo de Dyátlov.

Na busca, o estado-maior dirigiu dois grupos de resgate para aquele determinado trecho. Do lado de baixo, pelo rio Áuspiya, estava avançando o grupo mansi, que incluía o radioperador Yegor Nevólin; e ao norte, em direção a cabeceira do vale da Áuspiya seguia o grupo liderado por Boris Slobtsov, que também era um estudante do UPI e experiente turista.

No caso de encontrar o grupo de Dyátlov, todos tinham a indicação de acender três grandes fogueiras, formando um triângulo de 30 metros e, caso fosse possível, comunicariam pelo rádio. 

A tenda

Os 11 membros da equipe de resgate, sob direção de Boris Slobtsov foram levados no helicóptero para o cume do monte Otortén. Em 24 de fevereiro eles revistaram o lugar, certificando-se de que o grupo de Dyátlov não tinha estado aqui, pois não foi identificado nenhum sinal ou vestígios dos turistas desaparecidos.  

No dia 26 de fevereiro, a equipe de resgate finalmente teve sorte.

Na encosta do monte vizinho ao Otortén, chamado na língua mansi de “Kholat Syakhyl” ("Montanha dos Mortos") foi encontrada a tenda dos turistas.

Segue um fragmento do relato de Boris Slobtsov:

O nosso caminho com Sharávin e Ivan, o caçador, ia para o passo ao vale do rio Lozva e para a serra, desde a qual esperávamos avistar o monte Otortén por meio dos binóculos. No passo, Sharávin, avistando através de binóculo a encosta leste da serra, viu sobre a neve algo que parecia uma tenda caída. Decidimos ir até lá, mas sem Ivan. Ele disse que não estava se sentindo bem e que esperaria por nós no passo (percebemos que ele simplesmente ‘tinha os pés frios’). Ao aproximarmo-nos da tenda, a encosta tornava-se mais íngreme e a crosta de neve gelada, mais densa e, assim, tivemos que deixar os esquis e caminhar as últimas dezenas de metros sem eles, mas com paus.

Finalmente, topamos com a tenda; estamos parados, em silêncio e não sabemos o que fazer: o declive da tenda está rasgado no centro, por dentro há neve e certas coisas, os esquis eretos, e na entrada, um machado de gelo cravado na neve, não se veem as pessoas, horrível, é um pavor!”.

Foto tomada no dia seguinte após o achado.

Esta tenda era a única de seu tipo: foi costurada pelos próprios estudantes a partir de duas tendas para quatro pessoas, de modo que o tamanho dela era 1,8 por 4 metros. Slobtsov, que liderou a equipe de resgate, reconheceu imediatamente aquela tenda, pois ele tinha participado pessoalmente do processo da sua costura.

Foi precisamente essa tenda que foi usada pelo grupo de Dyátlov.

Instalação da tenda pelos membros do grupo de Dyátlov,
em foto tomada na última caminhada.

A parte superior externa da tenda estava rasgada em vários lugares. O pessoal do resgate inspecionou cuidadosamente a tenda por dentro, através da abertura no telhado. Sondaram com um machado de gelo o espaço dentro da tenda: não havia cadáveres lá. Foi a primeira boa notícia, pois significava que havia esperança.

As coisas que estavam em cima e dentro da tenda, foram tiradas em desordem. No amontoado dentro da tenda estava pendurada uma jaqueta impermeável, no bolso da qual havia uma caixa que originariamente tinha sido de rebuçados. Nesta foram encontrados os documentos de Ígor Dyátlov, bilhetes de retorno do trem, dinheiro e documentos de rota do grupo. Esta seria a segunda boa notícia: se todos os objetos de valor se encontravam no seu lugar e não havia pegadas ao redor da tenda, então, o grupo não tinha sido atacado e não haveria contexto criminal na história.

Na tenda, Slobtsov apanhou o diário do grupo, no qual todos os participantes da caminhada, respectivamente, tomavam nota sobre os eventos. O último registro foi de 31 de janeiro e, segundo descobriu o resgate, naquele dia o grupo tinha feito um labáz (armazém temporário para coisas e víveres) no vale do Lozva, assim, poderiam subir o monte Otortén sem bagagem e pegar a carga no caminho de volta. De acordo com este registro, em 31 de janeiro, todos os membros do grupo estavam vivos e saudáveis.

Em torno da tenda, não havia pegadas na neve, mas estas eram visíveis ao longe, se iniciando a aproximadamente uns 15 a 20 metros da tenda e dirigindo-se diretamente para a floresta. Slobtsov e Sharávin (este último, também estudante do UPI, que acabava de regressar da caminhada turística sob a sua própria direção) não chegaram a estudar cuidadosamente as pegadas, nem se ocuparam de cavar a entrada da tenda, coberta de neve, pois estava começando a nevasca e eles tinham pressa para voltar ao seu estacionamento antes do anoitecer e relatar aos companheiros sobre o achado. Slobtsov e Sharávin voltaram rapidamente nos esquis ao seu acampamento. Eles levaram a caixa com os documentos, o diário, um frasco de álcool (nas caminhadas, era observada a lei seca, mas o álcool era necessário como um medicamento contra o congelamento) e três câmeras fotográficas como “provas materiais”.

Ainda naquela noite se agregou ao grupo o operador de rádio Yegor Nevólin, que comunicou ao estado-maior sobre a descoberta pelo rádio. Felizes com o sucesso do achado, e principalmente, com o fato de não haver cadáveres na tenda, membros da equipe e resgate decidiram celebrar o feito, tomando meio copo de álcool diluído - aquele mesmo que trouxeram da tenda abandonada. Quando eles levantaram um brinde “pela saúde dos dyátlovtsy”, dois caçadores locais que participaram das buscas, severamente responderam que, mais provavelmente, deveriam brindar “para que descansem em paz”. Depois dessas palavras, por pouco não irrompeu uma briga, pois os estudantes ainda acreditavam que não havia ocorrido nada sério aos seus companheiros. Acreditavam que, talvez houvesse apenas feridos ou doentes no grupo de Dyátlov e que então eles estariam em algum lugar seguro, à espera do socorro. Não queriam considerar outro desfecho. Embora conseguissem resgatar todos os documentos, objetos, dinheiro e até provisões, a ausência das pessoas apontava claramente a uma possível situação trágica.

O estado-maior para as operações de busca se instalou no local do achado. Para lá foram enviadas duas tendas do Exército para 50 pessoas cada uma. Os homens do resgate foram deslocados e o coronel Ortyukov chegou voando junto com Tempálov, o promotor de Ivdel.

Equipe de resgate perto da sua tenda.

A área ao redor da tenda e a tenda em si foram cuidadosamente inspecionadas. Ficou claro que os turistas deixaram-na em pânico: a poucos metros da tenda foram encontrados alguns gorros congelados na neve, chinelos de diferentes pares - após esquiar, os esquiadores mudam obrigatoriamente a roupa e os sapatos antes de dormir. A 20 metros para baixo, pela encosta da montanha, começavam as pegadas de sete pares de pernas, algumas delas deixadas por pés praticamente descalços ou calçados em uma meia.


As buscas: 1 - tenda retirada; 2 - mochilas e esquis dos turistas do grupo de Dyátlov;
3 - Еvgueni Máslennikov; 4 - promotor Vasili Tempalov.

Depois de algumas dezenas de metros surgiam pegadas de mais dois pares de pés calçados. Era evidente que as pegadas não seguiam uma após a outra, mas estavam dispostas em fila, ou seja, as pessoas teriam andado em linha, tentando não perder de vista uma à outra. As pegadas eram claramente visíveis, pois a neve debaixo delas tinha sido pressionada, congelando-se posteriormente. No entanto, a neve em torno das pegadas foi soprada pelo vento bastante forte nas encostas. Mais abaixo, a 500 metros da tenda, as pegadas desapareciam sob uma massa de neve. 
  
Pegadas dos membros do grupo na grossa camada da neve. Nota-se as pegadas de pés descalços.

Quem foi que cortou a tenda? Caso fossem os próprios jovens, o que, então, fez com que nove turistas experientes promovessem dois atos autodestrutivos: eles teriam cortado a tenda (ou seja, privar-se-iam da única proteção contra a neve e o frio naquelas paragens ásperas e desérticas) e retirado-se pela encosta da montanha, quase despidos e descalços, numa temperatura de 20 graus abaixo de zero?

Afinal, onde estão eles? Lendo os diários dos turistas... 

Os diários encontrados com o grupo foram lidos com atenção e aqui, vamos folheá-los também, caro leitor. Esses registros podem ser usados para restaurar os eventos dos últimos dias naquela trágica caminhada e o estado de espírito do grupo. Como já foi mencionado, o diário geral foi escrito por todos os turistas, no seu respectivo turno.   

Os trechos dos diários vão acompanhados de algumas notas nossas, assinaladas em colchetes. 

Zina escrevendo o diário.

Do diário de Zina Kolmogórova:

28.1.59 

Há tempo que já é hora de sair, e tanta moleza, tanta moleza. Não entendo como é possível gastar tanto tempo para ficar prontos. 

Já andamos os primeiros 30 minutos. É claro que a mochila é um tanto pesada, mas caminhar é possível. O primeiro dia sempre é difícil. Sashka Kolevátov estava provando o seu dispositivo e deixou.

A segunda pousada. Caminhar ontem sem mochilas foi muito mais fácil.

Neve, neve, neve, neve, 
Pelas margens dos rios gelados 
Está 
Nevando, nevando.

No vale do Lozva.

Um breve descanso sobre as mochilas. Os jovens aproveitam-no para fazer fotos;
Zina está escrevendo algo, como de costume.
  
O almoço foi aproximadamente às 4 horas. Depois do jantar, fizemos uma jornada e pousamos. Eu costurava a tenda. Deitamos para dormir. 

29.1.59 

Yúrka [Yuri Doroshenkofaz aniversário hoje. Caminhamos pelo Lozva primeiro, depois voltamos para o Áuspiya. Os lugares são lindos. 

Ao longo do Áuspiya tinham passado os mansi. É visível o traço, os entalhes, também a trilha. As marcas são encontradas com frequência nas trilhas. Eu me pergunto o que eles escrevem? 

Os sinais mansi esculpidos nas árvores. Indicam a família que está caçando na área,
que tipo de animal foi morto e que há perigo e é preciso ter cuidado.

Agora, a pequena trilha gira estritamente para o sul. 

Agora, estivemos sentados os três: Rústik [Rustem Slododín], Yúrka e eu. Estamos esperando pelo resto. 

Pousamos para o pernoite perto da pista de esqui. Yúrka e eu serramos a lenha. 

30.1.59 

Nós vamos pelo Áuspiya, aiserm [expressão mansi que significa “faz frio”; os turistas aprenderam algumas palavras mansi com os moradores da vila 41o Kvartal, no início da caminhada]. A pequena trilha mansi terminou. 

Floresta de coníferas. De manhã, estava um solzinho, mas agora, aiserm. Nós caminhamos o dia inteiro pelo Áuspiya. Pousamos para o pernoite na pequena trilha mansi. Hoje, não conseguimos obrigar Kólya [Nikolai Thibeaux-Brignoles] a ficar de plantão, por isso, estivemos de plantão Rústik e eu.

Thibeaux, Zolotaryov, Slobodín e Dubínina.

Queimamos as luvas e a segunda jaqueta acolchoada de Yúrka. 

Ele está praguejando todo o tempo. 

 O humor sempre ajuda: Yuri Doroshenko posando com a camisa acolchoada queimada.

Hoje provavelmente vamos construir um labáz [termo russo para armazém temporário para acondicionamento de mantimentos]. 

(Esta é a última das entradas no diário de Zina).

Trechos do diário geral 

28 de janeiro. 

Pela manhã, todos foram acordados com o ruído monótono das vozes de Yúrka Kri [Gueorgui Krivoníschenko; no idioma russo, os nomes ‘Yuri’ e ‘Gueorgi’ são consideradas variantes do mesmo nome, dali o mesmo apelido dos dois rapazes do grupo, Yuri Doroshenko e Gueorgui Krivoníschenko] e Sashka Kolevátov. O tempo ainda nos está sorrindo, pois fazem -8 graus. 

Saímos às 11:45. Caminhamos pelo rio Lozva acima. Cada um está abrindo a trilha por 10 minutos. A profundidade da neve este ano é muito menor do que no ano passado. Muitas vezes temos que parar e raspar a neve molhada dos esquis, porque ainda se encontra alguns lugares descongelados.


Semyon Zolotaryov limpando os esquis da neve molhada.

As margens do rio na área de Vtoróy Séverniy são rochosas, especialmente, a margem direita, depois, as rochas (estratificadas, de calcário) são encontradas apenas em alguns lugares, tornando-se finalmente inclinadas as margens, sendo cobertas totalmente pela floresta. 

Margens rochosas do rio Lozva

Pousamos às 5:30 na margem do Lozva. 

Hoje foi a nossa primeira noite na tenda. Os rapazes estão ocupados com o fogão e pregando a cortina a partir do lençol. Fazendo algumas coisas, sem fazer outras, nós sentamos para jantar. 
  
Dubínina, Krivoníshenko, Thibeaux e Slobodín: ótimo humor, apesar do cansaço.


Dubínina, Slobodín, Thibeaux e Kolmogórova 

Depois do jantar, permanecemos sentados ao redor do fogo por um longo tempo, cantando canções de alma. Zina até está tentando aprender a tocar o bandolim sob direção de Rústik, nosso músico principal. Depois, uma e outra vez é renovada a discussão, sendo que todas as nossas discussões durante esse tempo eram principalmente sobre o amor. Alguém tem a idéia de taquigrafar todos os nossos pareceres, ou redigir um caderno especial a esse respeito. Fartando-se de conversar, nós duas, juntamente, arrastamo-nos para dentro da tenda. O fogão pendurado irradia calor e divide a tenda em dois compartimentos. No compartimento do fundo, nos acomodamos Zina e eu. Ninguém quer dormir ao lado do fogão, e decidimos colocar lá, Yúrka Kri (do outro lado, se acomodou Sasha Kolevátov). Yúrka, após permanecer deitado por um ou dois minutos, não suporta, passando para o segundo compartimento... Depois disso não conseguíamos dormir ainda por muito tempo, sempre discutindo sobre algo, mas, finalmente, tudo ficou quieto. 

Lyuda Dubínina 

29.1.59 

É o segundo dia que estamos esquiando. Caminhamos a partir da pousada no Lozva até a pousada no rio Áuspiya. Andamos ao longo da trilha mansi. O tempo está bom: 13 graus centígrados negativos. Vento fraco. No Lozva, com frequência encontramos as náleds [náled: termo de origem russa para os maciços de gelo, dispostos em camadas sobre a superfície do solo, gelo ou estruturas de engenharia. Tais maciços são formados a partir do congelamento das águas naturais ou artificiais, derramadas ou precipitadas periodicamente].

É tudo.

Kólya Thibeaux

Zina reparte açúcar durante uma breve pousada:
os hidratos de carbono ajudam a repor a energia.
  
30 de janeiro de 1959 

O diário é escrito durante o caminho, no frio, em movimento. 

Hoje é a terceira pousada fria [pousada sem acender o fogão] na margem do Áuspiya. Começamos a nos habituar. O fogão é a grande coisa. A cortina: os lençois pendurados mostram-se plenamente justificados. O despertar é às 8:30. Após o pequeno-almoço, seguiremos pelo rio Áuspiya, mas, novamente, essas náleds nos impedem de avançar. Fomos ao longo da margem, seguindo a pista do trenó de renas. No meio do caminho, encontramos o acampamento mansi. Sim, mansi, mansi, mansi. A palavra está surgindo cada vez mais em nossa conversa. Os mansi são um povo do norte. A r. n. de Khantia-Mansia [aparentemente, a abreviação empregada por Zina é a de região nacional’, mas a denominação correta na época seria o ‘distrito nacional’ de Khantia-Mansia], pertencente à esta pequena nacionalidade, com o centro em Salekhard, tem uma população de 8.000 pessoas. São um povo muito interessante e original, que habita o Ural do Norte Polar, perto da Óblast de Tyumen. Eles têm sua escrita, sua linguagem e, como algo peculiar, os entalhes nas florestas e os sinais especiais, representando um interesse particular. 

Krivoníshenko olhando para os sinais mansi.

(Não aparece a assinatura debaixo dessa entrada, mas foi Zina Kolmogórova que, às vezes, escrevia em movimento). 

30.01.59 

Tempo: a temperatura na manhã é de -17
No dia: -13 C
Na noite: -26 C. 

Forte vento sudoeste, está nevando, as nuvens são espessas, há uma drástica diferença de temperatura. Esta é característica do Ural do Norte. 

Este é um relato peculiar da floresta. Esses sinais [mansi] falam sobre os animais avistados, os acampamentos e indícios diversos e, lê-los, ou decifrá-los, seria de especial interesse para os turistas, bem como para os historiadores. 

A trilha dos cervos terminou, começando a trilha aberta, mas, depois acabou também. Caminhamos pela camada da neve virgem, foi muito difícil, com a neve de 120 cm de profundidade. A floresta gradualmente está se rareando, há sensação de altura, começaram aparecer as bétulas e os pinhos, anões e feios.

Zolotaryov, Doroshenko e Dyátlov: pode-se notar pelos
semblantes que os esquiadores estão muito cansados.

É impossível caminhar pelo rio: não se congelou, havendo debaixo da neve, água e náled. Novamente caminhamos pela margem, aqui mesmo, na pista de esqui. A tarde está terminando, é necessário procurar um lugar para bivaque. Eis aqui a parada para o pernoite. Há um forte vento oeste, está fazendo cair a neve do cedro e dos pinheiros, dando a impressão de uma nevada.   

Como sempre, fazemos rapidamente a fogueira e instalamos a tenda sobre os ramos de coníferas. Aquecemos um pouco perto da fogueira e fomos dormir. 

(Sem assinatura) 

Preparações para o pernoite: Kolmogórova (inclinada),
Zolotaryov, Dubínina e Kolevátov.

31 de janeiro de 1959 

Hoje, o tempo está um pouco pior: há vento (oeste) e neve (ao que parece, caindo dos abetos), ainda que o céu esteja perfeitamente claro. 

Saímos relativamente cedo (cerca de 10:00). Caminhamos pela pista de esqui, aberta pelos mansi. (Até agora, temos seguido a trilha mansi, pela qual, não há muito tempo, passou um caçador montando os cervos). 

Ontem, aparentemente, encontramos o lugar do pernoite dele, os cervos não tinham ido mais longe, o próprio caçador não seguiu os entalhes da trilha velha, e sobre o seu rastro nós vamos caminhando agora. 

Hoje, o pernoite foi surpreendentemente bom, quente e seco, apesar da baixa temperatura (de -18 C a -24 C).  

O fogão na tenda. O fogão da caminhada foi construído pelo próprio Ígor Dyátlov.

Hoje, caminhar é particularmente difícil. O rastro não é visível, com frequência estamos perdendo-o, ou andamos às apalpadelas. Desse modo, fazemos 1,5-2 km por hora. 

Os membros do grupo tinham que abrir a pista de esqui cada um por turno.

Estamos desenvolvendo novos métodos de uma caminhada mais produtiva. O primeiro atira a mochila e caminha por 5 minutos, depois volta, descansa por 10-15 minutos, depois, alcança o resto do grupo. Assim nasceu o método da abertura ininterrupta da pista de esqui. A parte mais dura toca ao segundo, que vá carregando a mochila pela pista de esqui, aberta pelo primeiro. Pouco a pouco, estamo-nos afastando do Áuspiya, a subida é contínua, mas bastante suave. Eis aqui onde terminaram os abetos e apareceram umas ralas bétulas. Chegamos ao limite da floresta. O vento é oeste, quente, penetrante, a velocidade dele é semelhante à do ar durante a ascensão do avião. Nast [termo russo para a crosta firme de neve gelada, que forma-se após um breve degelo], lugares escalvados. Nem sequer há que pensar em montar um labáz. 

O mau tempo não permitiu montar o labáz.

São cerca de 4 horas. Devemos escolher o lugar de pernoite. Descemos para o sul, ao vale do Áuspiya. Esse é, aparentemente, o lugar de maior nevada. 

O pernoite no vale do Áuspiya em 31 de janeiro.

Vento leve pela neve de 1,2-2m de espessura. Cansados, exaustos, começamos a montar a pousada. A lenha é escassa. Os abetos são estiolados e úmidos. Fizemos a fogueira nos troncos, não tivemos vontade de cavar um buraco. Jantamos direitamente na tenda. Faz calor. É difícil imaginar um conforto semelhante em algum lugar da serra, com um vento penetrante uivando, a centenas de quilômetros dos povoados. 

Dyátlov

Aqui cessam as entradas no diário geral do grupo de Dyátlov.  

O que aconteceu depois? 

Pelas entradas nos diários vê-se que os esquiadores não se moviam o suficientemente rápido conforme o planejado. Aparentemente, a terceira categoria de dificuldade estava começando a ser sentida. Segundo lembra Yuri Yúdin, que passou o trecho inicial da viagem com o grupo, “os esquis se afundavam, havia uma náled incrivelmente difícil, uma vez a cada 5 minutos (...) em cada esqui, havia meio metro da neve molhada, e foi necessário limpá-lo. E a rota foi planejada pelos rios, porque ir atravessando a taiga sem a trilha era, todavia, mais difícil, através da neve chegando até o peito (...). Portanto, Ígor compreendeu a complexidade dessa situação, e ele me disse para que comunicasse no instituto, que eles demorariam por dois ou três dias”

Caminhar é difícil. O grupo vê-se obrigado a descansar com frequência.

Eles caminhavam lentamente, ora sobre a náled, ora sobre a neve virgem, na qual precisavam abrir a pista de esqui. Com frequência, descansavam sobre as mochilas ou simplesmente apoiando-se sobre as varetas do esqui. Os turistas se cansavam, mesmo saindo, às vezes, às 10 horas da manhã, perdendo assim, duas horas da claridade do dia, tão valiosa nessa temporada do ano e reduzindo o dia de caminhada em até 6 ou 7 horas. Como resultado, em 31 de janeiro, eles gastaram metade do tempo previsto, mas romperam apenas um pouco mais de um terço da rota planejada. Evidentemente, havia um significativo atraso no horário inicialmente previsto por eles. 

Nas paragens ermas do Ural do Norte.

Fragmento do depoimento de Gueorgui Atmanaki, membro da equipe de resgate: “encontramos os acampamentos do grupo, aparentemente, eles estavam muito exaustos, porque nós estávamos fazendo regularmente, duas ou mesmo três jornadas deles”

Por volta das 16 horas do dia 31 de janeiro, chegaram à beira da floresta, debaixo do passo, que mais tarde receberia o nome de Dyátlov. Ventos fortes sopravam das montanhas. O lugar estava completamente aberto, e eles precisavam de árvores para instalar um labáz. Por isso, decidiram descer ainda mais abaixo, para o vale do Áuspiya, onde havia árvores normais e lenha para o acampamento. Lá, eles pernoitaram, na esperança de construir um labáz na manhã e depois, sair para o Otortén. 

As entradas no diário foram feitas regularmente, como regra geral, após o jantar, ainda que Zina também escrevesse em movimento. Mas o dia 1º de fevereiro nenhuma entrada foi registrada, nem no diário geral do grupo, nem nos diários pessoais. 

O que é que se sabe sobre as ações dos dyátlovtsy durante esse dia? 

Em 1º de fevereiro, Krivoníschenko marcou nos croquis a localização do labáz (o croqui é uma espécie do “esqueleto de mapa”, que se faz transferindo do mapa para o papel os objetos mais importantes: caminhos, povoados, rios e certos pontos importantes do trecho desejado do percurso). Foram precisamente as suas marcas que ajudaram a equipe de resgate a encontrar o labáz e o lugar do penúltimo pernoite dos dyátlovtsy

Comparando a rota normal para o Otortén com a rota do grupo de Dyátlov, após a subida ao passo e a partir do vale do Áuspiya, a investigação considerou que, nas condições de tempo mau, o grupo poderia ter ido erroneamente a 500-600 metros à esquerda, encontrando-se, deste modo, nas encostas do Kholat Syakhyl. O que havia de fazer em tais circunstâncias? Por um lado, a direção era imprecisa. Por outro lado, eles já tinham passado uma parte do caminho, cerca de dois quilômetros, e tinham pena de voltar para o vale: caminhar era difícil, com a neve, muito frio e vento, além disso, eles estavam atrasados por um dia no seu horário. Foi por isso que instalaram a tenda nas encostas da montanha. 

No entanto, este parecer não foi aceito por Serguei Sógrin e Moisei Akselrod, turistas muito experientes do Instituto Politécnico de Ural (UPI), que tinham participado das operações de busca. 

Fragmento do depoimento de Moisei Akselrod: 

1º de fevereiro. O grupo se levantou tarde. Tarde, porque no dia anterior, de acordo com o diário, o grupo tinha estado muito cansado, como também porque na manhã, ou ainda tarde na noite, depois de ter sido escrito o diário, tinham decidido fazer um labáz, com o fim de deixar livres os ombros, fatigados com a caminhada anterior, durante pelo menos três dias, como também aumentar a velocidade do movimento. De manhã, o grupo se levantou às 11 e começou a montar o labáz. Enquanto estavam fazendo o labáz, considerando o que levariam consigo e o que deixariam (na véspera, eles não tinham feito isso, pois o arranjo do labáz ainda era discutido), estava pronto o pequeno-almoço. Foi cerca das 2 horas. E eu acho que o grupo teria saído, mais cedo, às 2:30, propondo resolver uma das duas tarefas. 

1) Passar de uma floresta para a outra, do vale do Áuspiya para o vale do Lozva; ou, 

2) dado o fato de que, durante vários dias o grupo tinha estado caminhando por uma neve excepcionalmente profunda, sobre a qual, o movimento resulta ser extremamente fatigante, considerando que o grupo tinha descansado bem nesta parada semidiurna e comido tarde, — considerando tudo isso, optariam por avançar o mais longe possível pela borda da floresta, sem entrar nela (por razão da neve profunda), na direção do Otortén, a fim de se encontrar já com certeza perto do próprio Otortén na noite seguinte. O grupo com mochilas leves sai para a rota; mas a hora relativamente tardia, cerca das 5 horas, uma visibilidade má, ou, mais certamente, a falta da visibilidade, faz com que o grupo pare, a fim de pernoitar fora da floresta. Isto não é excluído por nenhuma das opções oferecidas aqui. Foi realmente justificada a decisão de passar a noite sobre a terra nua (eu evito premeditadamente a palavra ‘encosta’, pois acho que a encosta como tal não desempenhou nenhum papel no seu perecimento)? Na minha opinião, sim. Por quê? No ano passado, no Ural Polar, tivemos quatro pernoites assim. Todos passaram em condições tais, quando as razões de segurança do grupo ditavam a necessidade de ficar onde há espaço para instalar a tenda, enquanto, todavia, há tempo claro. Isso ocorreu durante frios consideráveis (-25, -30C), e não houve razões para reconhecer tal decisão como taticamente errada. Assim, Dyátlov tinha precedentes, e ele parou para a noite, sem se acovardar, sem se submeter cegamente às forças da natureza...”

Fragmento do depoimento de Serguei Sógrin:

"Avistando do topo do passo uma funda descida para o Lozva, Dyátlov decidiu ir pelas alturas, o que é muito mais cômodo do que o movimento pela neve profunda, no fundo do vale, a partir do qual nada pode ser avistado. Portanto, em 1º de fevereiro, o grupo não chegou a descer do passo para abaixo, mas seguiu avante pela encosta em direção ao Otortén. À noite, na encosta da elevação ‘1079’, foi instalada a tenda”.

Nas últimas fotos dos turistas, de fato, pode-se ver que naquele dia o tempo não era favorável a eles: havia uma nevada espessa e ventos fortes, quando eles aparecem pela primeira vez usando máscaras de esqui cobrindo o rosto.

Foto da última jornada do grupo, 1º de fevereiro. Vento e neve.

A última jornada, num momento de muito má visibilidade.

Decidiram então parar para descansar, tendo passado apenas cerca de dois quilômetros do acampamento anterior. A encosta era declive, a inclinação, seguramente, menor que 20 graus. Cavaram um buraco na neve profunda, colocaram os esquis pranchas para cima, instalando a tenda sobre estas. Segundo conclusão da investigação, fundando-se na opinião dos especialistas, a tenda foi instalada de acordo com todas as regras turísticas e montanhistas, fornecendo ao grupo uma pousada tranquila. 

Na encosta do Kholat Syakhyl: a última instalação da tenda.

Pode-se notar que Ígor Dyátlov está aflito: novamente,
o grupo tem um atraso no seu plano de horário.

Parece que Dyátlov teria decidido antecipadamente que seria possível fazer uma pousada fria, uma vez que eles iriam caminhar apenas a metade do dia, depois de um almoço quente. O jantar mesmo se planejava frio. Levaram consigo um pouco de lenha para preparar o pequeno-almoço; no entanto, o fogão na tenda foi encontrado desmontado e colocado na cobertura.

A investigação encontrou na parede interna da tenda uma folha de papel, pregada com um alfinete, com uma ‘publicação’ gracejadora do jornal estudantil “Otortén Vespertino”, datado de 1 de fevereiro. Yuri Yúdin explica assim o título desse mini-jornal humorístico: “Em Sverdlovsk, pouco antes da nossa caminhada, começou a se publicar o jornal ‘Sverdlovsk Vespertino’, cujas matérias muitas vezes se assemelhavam à imprensa amarela. Para aquele período, era um jornal livre, e gozava de popularidade. Todos os estudantes, independentemente das suas opiniões políticas ou, por dizer, da sua atitude para com o partido e o governo, liam esse jornal, e foi por isso que os companheiros puseram associativamente como título desse papel, o ‘Otortén Vespertino’”.

Os turistas parodiaram as colunas tradicionais do jornal, ficando o conteúdo da seguinte maneira:

OTORTÉN VESPERTINO” № I
1 de fevereiro de 1959

Editorial: Celebremos o XXIo Congresso com o aumento da natalidade turística!

Ciência: Ultimamente, na comunidade científica continua o animado debate sobre a existência do Abominável Homem das Neves. Segundo os dados mais recentes, os Abomináveis Homens das Neves habitam no Ural do Norte, na área do Monte Otortén.

Seminário Filosófico: “O Amor e o Turismo" — é realizado diariamente na sede da tenda (corpo principal). As conferências são feitas pelo Dr. Thibeaux e a Candidata a Dra. em Ciências de Amor Dubínina.

Adivinhação armênia: É possível aquecer os nove turistas com um fogão e um cobertor?

Notícias de Tecnologia: Trenó turístico. Bom para ir de trem, de carro e a cavalo. Não é recomendado para transportar cargas pela neve. Para as consultas, favor se dirigir ao construtor-chefe camarada Kolevátov.

Esportes: A equipe de radiotécnicos composta pelos camaradas Doroshenko e Kolmogórova define um novo recorde mundial na competição para a montagem do fogão — 1 hora 02 min. 27,4 seg.

Órgão editorial da organização sindical “Khibina”.

Quanto à “adivinhação armênia”: na época, circulavam numerosas piadas satíricas muito populares, em vários tópicos, incluindo os políticos, sobre a “rádio armênia”, no estilo “a rádio armênia pergunta...”, “a rádio armênia responde...”.

Todo o comportamento dos turistas aponta que eles não observaram nada de anormal ou alarmante, no grupo prevalecia uma calma absoluta. A tenda foi instalada como de costume; não se preocupavam com o tempo, nem esperavam visitas desagradáveis, nem montaram patrulhas, mas em vez disso, escreveram um jornal alegre e trocaram de roupa (ou ainda estavam se trocando). Durante a jornada, os esquiadores vestem-se com trajes leves, mas antes de dormir trocam obrigatoriamente a roupa, vestindo-se o mais calorosamente possível e calçando os seus pés nos válenqui (botas altas de feltro) ou búrqui (botas de lã feltrada).

A julgar pelo fato de que na tenda foram cortados pedaços de bacon, encontrando-se ao lado deles a faca pertencente ao grupo, como também várias peles de bacon (as quais necessariamente teriam sido removidas da tenda após a refeição e antes de dormir); havendo também cacau em cantil e restos de mingau de aveia (provavelmente, cozido ainda durante o almoço), pode-se deduzir que os turistas estavam se preparando para o jantar. Então, precisamente aí “o momento X” chegou para eles.

No mapa, estão marcados: o último acampamento do grupo de Dyátlov, com o labáz, em 31 de janeiro;
o caminho do lugar do último acampamento para o monte Kholat Syakhyl; a tenda e as pegadas mostrando a fuga
a partir da tenda até o cedro. A linha rosa pontilhada mostra o passo que a partir de então leva o nome de Dyátlov.

Fragmento do depoimento de Vladislav Karélin, graduado do UPI, turista, participante das operações de busca:

Armando a tenda, o grupo começou a se alojar para o pernoite e preparar uma ceia fria. Neste momento, foram assustados por alguma coisa, e correram para fora da tenda descalços. As pessoas, como aquelas que estavam no grupo de Dyátlov, só poderiam se assustar com um fenômeno fora do comum. Um assobio do vento, um barulho, um fenômeno celeste, mesmo um tiro único não poderiam assustá-los. (...). Falando em geral, o grupo de Dyátlov só poderia se assustar com um grupo de gente armada de pelo menos 10 pessoas, mas no lugar do acidente não foi detectada qualquer evidência da presença de estranhos”.

Achados espantosos

Na manhã de 27 de fevereiro, os estudantes Mikhail Sharávin e Evgueni Koptiélov, do grupo de Boris Slobtsov, partiram pela encosta da montanha para baixo, seguindo a cadeia das pegadas. Logo que, após uns 500 metros, as pegadas desapareceram, eles olharam em redor de si. À frente, para baixo, se encontrava a borda da floresta. Não muito longe dela, havia um vigoroso cedro, que estava alinhado com as pegadas. Obedecendo a sua intuição, os rapazes seguiram nesta direção. Abaixo, viram novamente a cadeia das pegadas, sendo que estas, de fato, iam na direção do cedro. Depois de descer a encosta, os buscadores toparam com uma pequena saliência, da altura de uns 5 ou 7 metros, subiram-na e acercaram-se para o cedro, contornado-o da parte esquerda. Foi aqui onde lhes esperava o choque: em frente deles, havia dois corpos polvilhados de neve, perto do rasto de uma fogueira.

Dois corpos debaixo do cedro.

Quando a neve foi removida, verificou-se que sob o cedro encontraram o seu terrível fim, Yuri Doroshenko e Gueorgui Krivoníschenko. Além do mais, Gueorgui não foi reconhecido imediatamente como tal, sendo que foi tomado erroneamente por Zolotaryov: tão drástica foi a mudança causada na aparência dos rapazes. 

Os corpos de Yuri Doroshenko e Gueorgui Krivoníshenko.

Estranha cor foi notada na tez e as mãos.

Ambos vestiam apenas camisas xadrez leves e roupa interior, sem qualquer outra roupa. Não tinham calçado. A tez de ambos estava com um estranho tom de marrom, as mãos pareciam queimadas... Nenhum dos dois estava na posição de quem tem morte por congelamento. O homem congelado, que está sucumbindo ao frio, sempre assume a forma de uma bola ou a “posição fetal”: puxa os joelhos contra o peito, se enrola ao máximo para preservar o que lhe fica de calor interno no corpo. Os dois turistas foram encontrados em poses completamente diferentes: estendidos ao comprido, um deles deitado de costas, o outro, no abdome, como se costuma ficar na areia da praia.

Segue o depoimento de Gueorgui Atmanaki, participante das operações de busca (extraído da investigação criminal): 

Aproximadamente a dois metros do local do seu perecimento, atrás do cedro, se conservaram os traços da fogueira, bastante grande, a julgar pelo fato de que as brasas remanescentes, com um diâmetro de 80 milímetros, se tinham queimado até o ponto de serem partidas em metade. Tudo estava polvilhado de neve, mas debaixo do cedro foi achada uma camisa cowboy, não se sabe de quem, um lenço, algumas meias, um punho de casaco ou suéter e mais algumas coisas pequenas. Um pouco mais perto do cedro, foram apanhados oito rublos de dinheiro, em notas de 3 e 5 rublos.

Aproximadamente a 20 metros ao redor do cedro, se conservaram vestígios de que, alguém que estava presente perto do cedro tinha estado cortando ramos de abetos novos com uma faca. Se conservaram cerca de 20 cortes desse tipo, ainda que não achamos os troncos próprios, exceto um. É impossível sugerir que esses cortes foram utilizados para o aquecimento, uma vez que eles, em primeiro lugar, não queimam devidamente e, além disso, havia uma quantidade relativamente grande de material seco ao redor. Além do mais, não houve necessidade de cortar ou rachar, como todos esses rebentos novos quebravam-se facilmente, mesmo com um pequeno esforço. Você pode pensar que esse trabalho foi feito pelas pessoas, que ora estavam muito enfraquecidas, ora tinham a mente nublada.

O cedro. Nota-se abaixo os ramos e raminhos quebrados.
A direita, o lugar da fogueira.

No próprio cedro, conservaram-se traços de quebras frescas. Foi quebrada a maioria dos ramos secos na altura de até 5 metros. Além disso, o lado do cedro voltado para a encosta, na qual estava a tenda, foi limpa de ramos na altura de 4 ou 5 metros. Esses ramos úmidos não foram utilizados, uma parte deles estava atirada no chão, e a outra parte estava pendurada nos galhos mais baixos do cedro. Parecia que as pessoas tinham feito algo como uma janela, para que fosse possível avistar de cima aquela direção a partir do cedro, donde eles vieram e onde se encontrava a sua tenda.

A quantidade de trabalho feito perto do cedro, mesmo como a presença de muitas coisas que, evidentemente, não poderiam pertencer aos dois camaradas encontrados, indica que perto da fogueira se reuniu grande parte, se não todo o grupo (...)”. 

No mesmo dia, a 300 metros no caminho do cedro na direção da tenda, debaixo de uma bétula anã, foi encontrado o terceiro corpo, coberto de neve apenas parcialmente.

Perto de uma bétula anã, um corpo quase coberto de neve.

Esse corpo era o de Ígor Dyatlov, com a cabeça descoberta, estava descalço, vestindo um colete de pele, desabotoado no peito. Sua postura também não estava consonante com a posição de uma pessoa congelada. As mãos, levantadas para o peito, pareciam estar tentando abrir as roupas, como se ele estivesse ofegando. No seu pé direito, estavam postas duas meias, uma de algodão, e a outra, de lã, no pé esquerdo, apenas a meia de algodão. O relógio quebrado na sua mão mostrava a hora, 5:31.

O corpo de Ígor Dyátlov.

A exploração na encosta continuou. Após algum tempo, Alma, o cão de busca e serviço, encontrou o quarto corpo debaixo de uma camada de meio metro da neve espessa. Era o corpo de Zina. Os corpos de Dyátlov e da jovem estavam separados por uma distância de aproximadamente 330 metros. 

O corpo de Zina Kolmogórova.

Zina estava rígida em uma pose dinâmica, era evidente que ela esteve se arrastando para a tenda. Estava bem vestida: em cima da roupa interior, usava uma camiseta com mangas compridas, uma blusa de vicunha (tecido a partir de algodão e lã) vestida ao avesso, uma camisa cowboy, sobre a qual tinha posto um suéter azul com o punho da manga direita arrancado. A parte inferior do corpo também foi protegida por várias camadas de roupa: leggings de lã, calças esportivas de algodão e calças de esqui. Os seus pés estavam vestidos por três pares de meias, mas não estava calçada. Na neve, perto do seu rosto, havia manchas de sangue, por causa de epistaxe.

No mesmo dia, a tenda de Dyátlov foi cuidadosamente examinada e lavrado um inventário de tudo o que lá foi encontrado. O exame confirmou que na tenda se encontravam quase todos os pertences pessoais do grupo, como também os equipamentos públicos.

Trecho do depoimento de Evgueni Máslennikov, expert em turismo, segundo encarregado das operações de busca:

A tenda fica a 150 metros da crista do contraforte (numa altitude de 900 m) da elevação ‘1079’. A tenda foi esticada por sobre os esquis e varetas cravadas na neve, sua entrada voltada para o lado sul, sendo as extensões laterais desse lado intactas. No entanto, as extensões laterais do lado norte foram arrancadas, ficando, portanto, toda a outra metade da tenda atulhada de neve. A neve era pouca, apenas aquilo que deixaram cair as nevascas durante o mês de fevereiro. Encontramos na tenda: um machado de gelo, um par de esquis de reserva; diretamente a 10-15 m da tenda, estavam atirados os chinelos, as meias e o casaco de pele pertencente à Dyátlov. Aqui mesmo estava atirada a jaqueta impermeável. Sobre a tenda, estava colocada uma lanterninha chinesa acesa (mas não emitia luz). Na tenda de Dyátlov, haviam 9 mochilas, 10 pares de esquis, 9 deles debaixo do fundo da tenda, 8 pares de sapatos, 3,5 pares de válenquis (7 peças), uns quantos jaquetões acolchoados e alguns outros pertences”.

Trecho do depoimento de Vadim Brusnitsyn, estudante do UPI, participante das operações de busca:

Por cima de todas as coisas, estava uma vareta de esqui cortada em vários pedaços. Aparentemente, sobre ela foi fixado o cume norte da tenda. Decidir danificar a vareta, dado o fato de que o grupo não tinha outras de reserva, seria possível apenas em circunstâncias especiais”.

Trecho da investigação criminal: 

A inspeção da tenda mostrou que foi instalada corretamente e fornecia o devido alojamento para os turistas. Dentro da tenda, estão postos dois cobertores, encontrando-se também as mochilas, jaquetas impermeáveis e calças. Os outros cobertores tinham sido amarrotados e se congelaram. Sobre um dos cobertores, foram encontrados alguns pedaços de pele de bacon.

A disposição e a presença de objetos na tenda (quase todo o calçado, todos os agasalhos, objetos pessoais e diários) testemunhavam que a tenda tinha sido deixada de uma forma repentina, por todos os turistas simultaneamente, sendo que, como foi estabelecido posteriormente pela perícia forense, o sotavento da tenda, para onde os turistas tinham colocadas as cabeças, foi cortado a partir do interior em dois lugares, nos trechos que permitem a livre saída de uma pessoa através dessas incisões.

Nem na tenda, nem perto dela foram encontrados sinais da luta ou da presença de outras pessoas”.

Em 28 de fevereiro, Vassili Tempálov, promotor de Ivdel, iniciou uma investigação preliminar pelo fato do perecimento dos turistas do grupo de Dyátlov.

O dossiê da investigação criminal sobre o fato de perecimento de turistas.

Por esse tempo, a história dos turistas desaparecidos gerou interesse em Moscou, quando o próprio Nikita Khrushchev, líder soviético, enviou a seguinte instrução: “Encontrá-los a qualquer custo”.

Desta maneira, o controle sobre as buscas dos perecidos foi assumido pelos comitês regional e municipal do Partido Comunista.

Radiograma:

Ao camarada Máslennikov.

Após receber a sua mensagem telefônica, a direção do comitê regional do partido adotou a seguinte resolução.

Primeiro: continuar as buscas dos camaradas perecidos e encontrá-los, sem importar os esforços que isso custar.

Segundo: substituir os camaradas cansados, em especial, os do grupo de Slobtsov. O gorkom [comité municipal do partido] toma medidas para substituir o grupo do mansi Kúrikov. O radioperador deve ficar com vocês.

Anunciamos o plano de ação. Caso haja tempo adequado, para vocês serão enviados dois helicópteros. Estes trarão de 12 a 15 soldados de Busygin, armados com sondas. Caso seja possível, no segundo voo serão enviados os sapadores com detectores de minas. Vocês deverão enviar os cadáveres e 5 ou 6 camaradas cansados”.

A tenda com as coisas nela encontradas foi levada para Ivdel para a identificação, e os corpos de turistas, para efetuar a autópsia. Alguns dos estudantes que participaram das buscas retornaram para as suas casas em 3 de março. Os rapazes estavam cansados, encontrando-se alguns deles até em um profundo estado de estresse pela trágica morte dos companheiros e os achados espantosos...

Em 2 de março, encontraram o labáz de Dyátlov, que se localizava quase ao lado do campo da equipe de resgate.

A equipe de busca encontra o labáz do grupo de Dyátlov.

Radiograma de Evgueni Máslennikov para Sverdlovsk: 

"03.03, 18:30

“As buscas no vale do Lozva falharam hoje. 22 homens foram até o passo, tendo que voltar por causa da nevasca, nenhuma visibilidade. Em vez disso, coletamos a lenha e fortalecemos o acampamento, preparando-o para a chegada do reforço.

O grupo de busca de Slobtsov e Kúrikov encontrou a 400 metros da nossa tenda pelo Áuspiya acima, o labáz de Dyátlov. Neste, foram achados víveres de 19 gêneros, de 55 quilogramas de peso, como também a botica de reposição, botas quentes de Dyátlov, um par de botas de esqui, um bandolim, um sortimento de baterias com luzes e um jogo de esquis de reserva.

Movendo-se precisamente do lugar encontrado do seu pernoite, onde ficou o labáz, para o passo, num tempo mau, o grupo de Dyátlov poderia facilmente tomar a crista do contraforte da montanha ‘1079’ pelo passo ao Lozva. Mas o mistério principal da tragédia continua a ser a saída de todo o grupo para fora da tenda. Além do machado de gelo, a única coisa que foi encontrada fora da tenda, uma lanterninha chinesa, no seu telhado, confirma a probabilidade da saída para fora de uma única pessoa vestida, que deu a todos os outros alguma razão para deixar apressadamente a tenda.

A causa pode ser algum fenômeno natural extraordinário, ou o voo de um foguete meteorológico, que foi avistado em 1/II em Ivdel, e em 17/II, pelo grupo de Karélin. Amanhã, continuaremos as buscas com as forças novas e faremos o envio da carga planejada.

Máslennikov”

O voo deste “foguete meteorológico” foi avistado por muitos, mas vamos discutir isso em detalhe mais tarde.

A perícia médico-legal e o quinto corpo

Em 1º de março, chegaram voando a Ivdel, vindos de Sverdlovsk o promotor criminal Lev Ivanov e o médico legista Boris Vozrozhdiônniy. Todas as perícias médicas no decurso posterior da investigação foram dirigidas precisamente por Vozrozhdiônniy.

A autópsia dos corpos pôde ser realizada apenas em 3 de março, como tinham sido fortemente congelados e foi preciso que se descongelassem a temperatura ambiente.

Seguem os detalhes principais dos volumosos pareceres dos médicos legistas, Vozrozhdiônniy e a sua equipe, sobre os quatro primeiros cadáveres de turistas.

Gueorgui Krivoníschenko: tez de cor parda; na região temporal esquerda, há duas escoriações de cor parda vermelha, da densidade do pergaminho; congestão nas regiões temporal direita e occipital; escoriação no dorso do nariz, tornando-se uma ferida na região do ponto e asas do nariz; lábios edematosos; escoriações múltiplas de vários tamanhos na face, peito, coxas e pernas, nos braços e palmas das mãos; parte traseira da mão esquerda edematosa, aqui aparece uma ferida escalpada de 8 x 2 centímetros; ao longo do punho esquerdo, há escoriações de 5 x 2,5 centímetros; sobre as falanges médias dos dedos 4º e 5º, há uma profunda ferida de cor marrom escuro, da densidade do pergaminho, com carbonização; uma considerável queimadura da planta do pé e na perna esquerda; orelhas congeladas; escoriações de vários tamanhos no lado direito do peito; órgãos internos cheios de sangue; os pulmões de cor lilás escura, ao serem apertados, fazem escorrer sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso. A última ingestão de alimentos ocorreu de 6 a 8 horas antes da morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.

Yuri Doroshenko: tez de cor parda; cabelo queimado na parte direita, na região da têmpora, sincipício e occipício; vestígios de sangramento nasal; sobre a bochecha direita há vestígios de um líquido cinzento espumoso, que escorreu da boca (o mesmo líquido foi encontrado nos pulmões); perto dos lóbulos de ambas as orelhas há estranhos setores pardos e sólidos, de 4 e 6 centímetros; mesmas escoriações sólidas, de 2 e 1,5 centímetros, aparecem na parte interior do ombro direito, ao longo delas são feitas umas incisões lineares; as falanges terminais dos dedos das mãos e pés, congelados; múltiplas escoriações de diversos tamanhos nos braços e pés; edema das meninges; os rins e o coração cheios de sangue; os pulmões de cor cianótica vermelha, ao serem apertados, fazem escorrer em grande quantidade o sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso. A última ingestão de alimentos deve ter ocorrido entre 6 e 8 horas antes da morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.

Ígor Dyátlov: a cor da tez é descrita como “cianótica vermelha”; escoriações de vários tamanhos na face, pálpebras superiores, antebraço direito, braços e pés; sangue coagulado nos lábios (a fonte do sangramento não é indicada); edema das meninges; órgãos internos cheios de sangue; pulmões de cor lilás escura, ao serem apertados, fazem escorrer sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso. A ingestão de alimentos ocorreu de 6 a 8 horas antes da morte. Nenhum vestígio de álcool. Causa da morte: hipotermia.

Zina Kolmogórova: a epiderme da face e as mãos de cor lilás vermelha; lábios edematosos, de cor cianótica vermelha; congelamentos de 3º e 4º grau das falanges dos dedos das mãos; escoriações de cor vermelha escura, da densidade do pergaminho, nas pálpebras superiores, no dorso e na ponta do nariz; escoriações múltiplas de vários tamanhos nas mãos e palmas das mãos; ferida de 3 x 3 centímetros, com um pedaço de pele escalpado na mão direita; uma grande escoriação no lado direito passando para as costas, 29 x 6 centímetros; edema das meninges; órgãos internos cheios de sangue; pulmões de cor lilás escura, ao serem apertados, fazem escorrer sangue líquido escuro e um sanguinolento líquido espumoso. Manchas cadavéricas de cor cianótica lilás estão dispostas no lado traseiro do tronco (os peritos modernos acreditam que Vozrozhdiônniy tomou por manchas cadavéricas o eritema gelado, que na década de 1950 ainda não era classificado como um sinal separado da morte por congelamento). Virgem. Nenhum vestígio de álcool detectado. A última ingestão de alimentos ocorreu de 6 a 8 horas antes da morte. Causa da morte: hipotermia.

Enquanto isso, na encosta da montanha Kholat Syakhyl, as buscas continuavam.

Em 5 de março, Vladislav Karélin e um dos soldados do grupo do tenente Potápov encontraram com a ajuda de sondas o corpo de Rustem Slobodín. Ele estava sob uma camada de neve de 12 a 15 centímetros, a meio caminho entre Dyátlov e Kolmogórova, ou, mais precisamente, a 150 metros de Kolmogórova e a 180 metros de Dyátlov. 

O corpo de Rustem Slobodín.

Os três corpos se encontravam em linha reta entre a tenda e o cedro. O corpo de Slobodín também estava em uma pose dinâmica, de bruços, com a cabeça na direção da tenda, seu braço esquerdo atirado para o lado, e o punho cerrado da mão direita, acercado para o peito. O pé direito encolhido para o abdome, um dos pés calçado em válenok (bota). O outro válenok faltava. Slobodín vestia um suéter preto, roupa interior quente, camisa cowboy, calças de esqui, alguns pares de meias e um gorrinho de esqui na cabeça. O relógio “Zvezdá” (“Estrela”) na mão esquerda mostrava 8 horas e 45 minutos. Em torno do corpo, formou-se o assim chamado “leito do cadáver”, ou derretimento típico da neve sob um corpo ainda quente, com o posterior congelamento e a formação da náled, ou capa superficial de gelo.

Em comparação com o restante de cadáveres, Rustem apresentava traumas mais graves. Apesar da evidente falta de lesões externas e marcas do golpe, ele foi diagnosticado com uma fratura no crânio. O exame forense revelou o seguinte. 

Rustem Slobodín: epiderme da face de cor cianótica vermelha; a epiderme do tronco, membros superiores e inferiores, de cor cianótica rosa; escoriações menores de cor parda vermelha na testa, e acima destas, dois arranhões de 1,5 centímetros de comprimento; na pálpebra superior do olho direito, havia uma escoriação de cor parda vermelha, com a congestão nos tecidos subjacentes; sangue coagulado no nariz; lábios edematosos; na metade direita da face “um pouco edematosa”, múltiplas escoriações menores de forma irregular; na metade esquerda da face, escoriações da mesma natureza; escoriações na região dos nós dos punhos; escoriação de cor parda ao longo da borda da palma esquerda. O exame interno revelou: nas regiões dos músculos temporais direito e esquerdo, congestões difusas com a impregnação dos tecidos moles; a partir da borda dianteira do osso temporal esquerdo para frente e para cima, há uma fenda de até 6 centímetros de comprimento, e com o desconjuntamento de bordas de 0,1 centímetros, a fenda localiza-se a uma distância de 1,5 centímetros da sutura sagital; desconjunções da sutura temporocoronal dos ossos do crânio a esquerda e direita (classificadas como 'post-mortem'); os ossos da base do crânio intatos; falta da congestão claramente definida nos tegumentos subcerebrais; os pulmões de cor cianótica vermelha, ao serem apertados, fazem escorrer abundantemente um sanguinolento líquido espumoso e sangue escuro líquido; presença de manchas cadavéricas de cor cianótica avermelhada na parte traseira do pescoço, tronco e extremidades (os peritos modernos acreditam que Vozrozhdiônniy tomou por manchas cadavéricas o eritema gelado, que na década de 1950 ainda não era classificado como um sinal separado da morte por congelamento). Causa da morte: congelamento. 

Opinião do perito Boris Vozrozhdiônniy: “O indicado trauma no crânio foi ocasionado por um instrumento contundente. No momento do seu surgimento, indubitavelmente, causou um curto aturdimento de Slobodín, contribuindo com que ele se congelasse o mais rapidamente possível. Considerando as lesões acima mencionadas, Slobodín nas primeiras horas, a partir do momento em que foi abatido, encontrava-se em capacidade de se mover e se arrastar”.

Esquema de fratura do crânio que recebeu Slobodín.

Com isso, o leitor deve lembrar que o cadáver de Slobodín não tinha características externas deste suposto “golpe ocasionado por um instrumento contundente”. O fato é que o perito simplesmente não foi capaz de encontrar nenhuma outra explicação para esse estranho trauma no crânio.   

O caráter segredo do caso e o funeral

O caso do perecimento de turistas do grupo de Dyátlov foi imediatamente cercado por um véu de silêncio. Muitos dos participantes das buscas tiveram que assinar a obrigação de não-divulgação das informações. A imprensa guardou silêncio. 

Lembrou o juiz de instrução Vladimir Korotáyev, que investigou o caso durante os primeiros três dias:

Os jornalistas, vieram muitos. Eu me encontrei com um do jornal “Rússia Soviética”... Klinov, o promotor regional, bateu com o punho: ‘Que não haja nenhum jornalista aqui!’. E todos desapareceram como que por encanto”.

Vladimir Korotáyev

Apenas dois jornalistas puderam visitar a cena dos acontecimentos. 

Um deles, Yuri Yarovoy, trabalhou no jornal local do Ural. Viajante experiente, ele participou das buscas do grupo de Dyátlov, atuou como testemunha e fotografou os corpos para a investigação. Posteriormente, em 1966, publicou a novela “Categoria mais alta de dificuldade”, baseada na história dramática do grupo de Dyátlov. Mas, em 1959, ninguém publicou nada sobre o perecimento de turistas.

O segundo jornalista, Gennadi Grigóryev, esteve em Ivdel por acaso, retornando de outra missão, da qual foi o encarregado pela redação. Segue uma anotação de seu caderno.

No segundo dia da minha estadia em Ivdel ouvi dizer que sumiram 9 pessoas. Eu estava tão cativado, cheguei-me a interessar cada vez mais pelas buscas. Já não conseguia lidar com o meu trabalho, fui para o aeroporto, e uma hora depois estava voando. Quando avistei do avião a tenda e as pessoas, já não me interessava mais nada, exceto as buscas. Pedi para que me levassem no helicóptero às montanhas. Mas não me aceitaram. Eles disseram: “Para que? Não é permitido escrever sobre isso no jornal”... Depois, voltaram os helicópteros. Descarregam os cadáveres. Todos cobertos de neve. Gelo no cabelo. Foram fechados com lençois e colocados em uma maca, num caminhão. Após o voo, o general, que veio hoje de UralVO [circunscrição militar do Ural], reuniu aos pilotos, e eles aconselharam sobre os voos posteriores. Aos pilotos foi-lhes trazido o almoço de refeitório e eles partiram para o voo novamente”.

Todavia, mais tarde, graças ao coronel Ortyukov, encarregado das operações de busca, Grigóryev conseguiu visitar o passo, reunindo-se com as equipes de busca, mas apenas por pouco tempo, pois muito em breve ele foi ordenado a retornar.

Em Ivdel, encontrou-se com Yuri Yarovoy.

“Ele 
[Yarovoy], tinha estado lá de 22/02 a 03/03, com uma câmera fotográfica e bem vestido, como um turista. Ele me contou algumas coisas. Assim, os rapazes [das equipes de busca], ao chegar, estavam ansiosos por resgatar os seus companheiros. Depois, quando viram os cadáveres, ficaram deprimidos. Mas todavia mantinham a esperança de que os outros ainda estivessem vivos, e estavam apressados para ir buscá-los. Mas quando encontraram o labáz, perderam o ânimo. Começaram, então, a buscar por mortos. Foi especialmente pesado ver os sinais da luta pela vida: os dyátlovtsy tinham rasgando as suas roupas, atirando-as no fogo, para que não se apagasse. Eles lutaram por suas vidas como homens de ferro. Você nunca deve voar para lá sozinho, sem treinamento. Pode acabar mal para você. Além do mais, não são bem-vindos lá todos aqueles que não sejam turistas, pois consideram a gente estranha como um fardo’, me disse Yarovoy.

Caminhamos ao longo de uma tranquila rua de Ivdel. Yarovoy ficava feliz de ter saido de lá. Por mais que ele tratasse de esconder de mim essa alegria, não conseguiu. Ele tem feito as suas anotações, mas não me leu nenhuma. É claro que ele guardou muito para sim. Provavelmente, também vai escrever alguma coisa, e o fará mais rápido que eu”.

Não houve outros jornalistas na cena dos acontecimentos.

Qual foi a causa do caráter tão extremamente secreto do caso? Afinal, não são tão raros os casos do perecimento de turistas em suas rotas. Mas aqui temos várias razões.

Em primeiro lugar, as buscas pelos turistas atraíram interesse ​​do mais alto nível, em Moscou. Nikita Khrushchev ordenou que os jornais comunicassem sobre o sucedido somente após serem encontrados todos os turistas desaparecidos. Mas as buscas demoraram, logo o caso passou para a papelada confidencial, desaparecendo por muitos anos da vista do público.

Em segundo lugar, a história do perecimento dos turistas não tinha nenhuma explicação razoável que a investigação e as autoridades poderiam oferecer à sociedade agitada, o que gerou como resultado uma série de rumores mais diversos...

Em terceiro lugar, naquele preciso momento, em 28 de fevereiro a 1º de março, na cidade de Sverdlovsk (onde moravam, estudavam e trabalhavam os integrantes do grupo de Dyátlov) estava sendo realizada a Copa do Mundo de Patinação de 1959 em um clássico poliatlo entre as mulheres, ficando os funcionários do partido e do governo muito temerosos de que os sussurros e boatos na sociedade sobre o perecimento dos nove turistas fossem estragar o belo panorama geral.

Finalmente, cada funcionário do partido e cada burocrata temiam muito receber a repreensão, ou algum outro tipo de punição, por “ter permitido” ou “não ter assegurado”, bem como “não ter controlado” a situação, etc. Por isso, foi do seu melhor interesse extinguir qualquer informação extra.

Enfim, todas essas pessoalidades oficiais chegaram a tal ponto, que começaram a sugerir muito insistentemente às famílias dos jovens perecidos, para que estes fossem sepultados não em Sverdlovsk, mas em Ivdel, prometendo edificar um monumento em sua honra. Mas todos os parentes ficaram extremamente indignados com tal proposta e a recusaram. Ainda assim, em 9 de março, as autoridades tentaram fazer o menos perceptível possível, o funeral dos cinco primeiros turistas encontrados em Sverdlovsk. No próprio UPI, alguém estava arrancando constantemente o anúncio do tempo e do lugar do funeral. O cortejo fúnebre foi obrigado a fazer seu caminho pelas ruas remotas e os participantes não foram autorizados a ir para o cemitério a partir da entrada principal, tendo que passar através de um buraco feito na cerca especialmente com esse propósito.

O cortejo fúnebre avança pelas ruas periféricas da cidade.

Muita gente assistiu ao funeral.

Apesar do sigilo oficial, muita gente assistiu e a cidade encheu-se de rumores sobre o misterioso perecimento dos jovens. Acima de tudo, muitos foram impressionados com a estranha cor da pele dos perecidos: uns diziam que “parecia estar sepultando negros”, outros notavam a cor laranja marrom dos rostos.

Lembra Vladimir Bogomólov, na época, estudante do 2º ano do UPI:

"No átrio da décima habitação coletiva estudantil na Rua de Lenin, sobre os escabelos, estão expostos os ataúdes decorados com andrinópola, albergando os corpos de Ígor Dyátlov, Zina Kolmogórova, Yuri Doroshenko e Rústik Slobodín.

A despedida.

As tampas dos ataúdes permanecem abertas e, dando uma volta ao redor, todos os que vieram se despedir deles têm a oportunidade de ver com os próprios olhos as faces dos nossos amigos calados: apagadas que estão com uma coloração marrom e escoriações. Em cima deles, inclinaram-se os pais, parentes e amigos dos falecidos, inconsoláveis, com lágrimas nos olhos. Nesse instante, fomos avistados pelos parentes de Zina Kolmogórova, aos quais não há muito tínhamos visitado na sua aldeia, depois da caminhada de agitação e propaganda em dezembro: tínhamos cantado então, canções fogosas e líricas junto com Ígor e Zina. É claro que, ao ver-nos, os parentes de Zina romperam novamente em soluços. É difícil suportar, os olhos se enchem de lágrimas.

O cortejo fúnebre alinha-se na Rua de Lenin e segue em coluna para o Instituto Politécnico, para que os jovens amigos que nos estão deixando possam se despedir dos edifícios acadêmicos da sua querida ‘Alma Mater’. Tampouco, aqui permitem aos estudantes despedir-se com dignidade dos seus amigos. O oficial de milícia [corpo de guarda civil na URSS], parado na encruzilhada, redirige a fila da Rua de Lenin para a Rua Kuzbásskaya. A fila move-se pelo corredor até o muro desmontado do cemitério, na volta da Rua Kuzbásskaya. Lá, já estão cavadas as sepulturas. Os ‘dyatlovtsy’ partem no seu último caminho nas mãos cuidadosas dos seus amigos”.

Os pais de Gueorgui Krivoníshenko decidiram sepultá-lo num outro cemitério, que ficava mais perto ao seu domicílio, mas no mesmo dia com os outros.

O irmão de Gueorgi disse para o jornalista Gennadi Grigóryev que eles, os familiares, tinham a impressão de como se o Estado tivesse querido compensar alguma culpa sua: para o funeral, foi cedida uma fina orquestra militar e tudo foi organizado por representantes das autoridades, sendo que não foi requerido nenhum esforço de parte dos parentes. Moisei Akselrod, que conhecia bem as vítimas, lembra que a mãe de Krivoníshenko perguntou-lhe no funeral, escondendo as lágrimas: “Diga-me, o meu filho morreu como um homem?”.

Mas para a data do funeral dos cinco turistas encontrados, as equipes de busca ainda não conseguiram localizar os corpos dos quatro restantes membros do grupo de Dyátlov. Será que eles teriam sofrido um destino diferente? Os ziguezagues da investigação: costureira tia Niûra inocenta os mansi
  
No entanto, a investigação prosseguiu.

Os primeiros suspeitos chegaram a ser os caçadores das famílias mansi, que moravam nos arredores. Havia rumores de que os turistas supostamente poderiam ter violado certas fronteiras sagradas para os mansi, entrando no território proibido. Todos os mansi nos arredores foram interrogados nos primeiros dias da investigação, alguns até foram detidos por Vassili Tempálov, o promotor de Ivdel, sem que o juiz de instrução soubesse disso. Foi também Tempálov quem interrogou aos moradores locais, perguntando-lhes se os mansi poderiam ter assassinado os turistas.

Os mansi, tendo ao fundo as suas tradicionais tendas.

Mas a população local não acreditava que os mansi poderiam ser culpados.

Fragmento do depoimento de Mikhail Mokrúshin, presidente do conselho rural da vila de Burmantovo:

Eu não penso em que os mansi atacaram e mataram os turistas. Eu vivo na vila de Burmantovo a partir de 1945 e não houve nenhum caso em que eles atacassem a um russo, e mesmo não ouvi qualquer ameaça da sua parte, embora eu tirava-lhes seus filhos quase por força, para estudarem na escola ou para serem hospitalizados. Os mansi são adotados com frequência como guias pelos geólogos, e jamais houve má opinião deles. Eu sei que a pedra de oração mansi fica nas nascentes do rio Vijay, e não nas nascentes do Lozva”.

Fragmento do depoimento de Ivan Uvárov, diretor do museu de Ivdel:

Eu conheço o povo mansi, seu modo de vida, há 50 anos já... Eu sei que os mansi têm a sua montanha de oração, conheço-a e estive nela. Seu nome é Yalpyn Ner, que traduzido para o russo significa ‘Montanha de Oração’.

Esta montanha, segundo examinei pelo mapa, está localizada a cerca de 40 quilômetros ao sul da montanha, onde pereceram os turistas. Considero errados os rumores de que os mansi atacaram os turistas pelo fato destes tentarem se aproximar da montanha de oração: assim estão pensando e falando as pessoas que não conhecem a vida e os costumes dos mansi.

Eu sei que, caso qualquer representante dos povos mansi tivesse a culpa pela morte dos nove turistas, então nenhum mansi chegaria a participar das buscas destes. No entanto, eu soube que três mansi participaram das buscas aos turistas.

Também sei que muitos russos, homens e mulheres, visitaram a montanha de oração, e jamais lhes passou nada de ruim; algumas vezes até foram acompanhados dos mansi. Eu, pessoalmente, não admito a ideia de que os mansi tenham atacado os turistas por causa de seus preconceitos religiosos, ou por outros motivos. Como regra geral, a atitude dos mansi para com os russos é muito boa”.

Fragmento do depoimento de Ivan Páshin, guarda-florestal:

O monte, perto do qual foram encontrados os turistas, não é sagrado para os povos mansi, sendo que estes têm tais lugares muito longe dessa montanha, ao longo do rio Vijay. Os mansi não poderiam atacar os turistas, pelo contrário, conhecendo os seus costumes, seria possível sugerir que eles poderiam até prestar ajuda aos russos. Houve casos quando os mansi levavam consigo pessoas desviadas nessas paragens, criando condições de vida para elas com o oferecimento da sua comida”.

Além do mais, não houve qualquer prova contra os mansi: na tenda, ficaram intactas uma grande soma de dinheiro, os víveres e o álcool, que é um produto altamente valorizado na taiga.

Tampouco acreditou na culpa dos mansi o juiz de instrução Vladímir Korotáyev, que estava investigando o caso durante os três primeiros dias. A tenda cortada foi um dos fatores de acusação de assalto aos turistas. Mas logo depois, no escritório de Korotáyev, ocorreu um caso curioso, dando uma direção diferente a toda a investigação.

Eis o que lembra o ex-juiz de instrução (na época, com apenas 22 anos de idade):

Foi-me dado o comando, dois dias antes, para ‘chegar imediatamente a Sverdlovsk para apresentar o relatório à Urákov, procurador-adjunto da RSFSR [República Soviética Federativa Socialista da Rússia, na época, principal parte integrante da URSS, hoje, Federação Russa]. Então, chamou-me Klínov, o promotor [da Óblast de Sverdlovsk]: ‘Volodya! Vem em uniforme!’. Eu disse: ‘Pois, ainda não costurei’. Nessa altura, apenas recebi o título de legista subalterno. ‘Vem imediatamente para o procurador-adjunto, e de acordo com a forma!’. Bem, então, cobrei atrevimento e chamei para o Bytkombinat [serviço de usos domésticos], o diretor me conhecia... Eu digo: ‘Por favor, envie-me uma costureira, eu estou disposto a pagar-lhe de uma vez no escritório’.

Então, ela veio, e eu já tinha a tenda [do grupo de Dyátlov] posta no meu escritório. Estava estirada, como eu tinha um escritório na milícia [posto da polícia soviética] (...), constituindo assim um escritório enorme, e a tenda foi estirada lá...


A tenda do grupo, estirada no escritório de Korotáyev.

Ao chegar a costureira, tia Niûra, eu penso: ‘Que tal eu incluir a tia Niûra entre os testemunhos do exame da tenda?’. No entanto, já estou disposto, todos estão dispostos a pensar que a tenda foi cortada por fora... A tia Niûra olha e diz: ‘Vladímir Ivânovitch, pois, todos os cortes foram feitos do lado de dentro. Eu costuro com este tecido já ao longo de 30 anos (...), sendo que entendo disso’”.

Assim foi como uma simples costureira, a tia Niûra, mudou o rumo da investigação e salvou os mansi das acusações. 

Korotáyev com os mansi.

A tenda foi então enviada para uma perícia oficial realizada em Sverdlovsk, de 3 a 16 de abril. Os seus resultados foram os seguintes:

Conclusão

Na tenda turística do grupo de Dyátlov, no declive direito do tecido que forma o telhado, há três danificações de aproximadamente 32, 89 e 42 cm (assinalados condicionalmente com números 1, 2, 3). Surgiram como resultado de impactos de uma arma afiada (faca), o que significa que são cortes.

Todos esses cortes foram feitos a partir do interior da tenda.

Perita, colaboradora científica senior G. Tchúrkina”.

Lauda com o exame da tenda.

Como dizia posteriormente Guenriêtta Tchúrkina, eles poderiam ter apresentado uma análise muito mais detalhada dos cortes e o instrumento, com que estes foram feitos, mas deles foi exigida apenas uma coisa: descobrir, qual era o lado em que a tenda foi cortada. Em geral, a investigação pode ser cobrada pelo fato de estar resolvendo apenas duas tarefas principais assinadas pelas autoridades: encontrar os turistas e descobrir se houve a presença do elemento criminal nas mortes. Não foi realizada a tarefa de analisar a situação estranha e as causas do perecimento dos turistas. Antes, ocorreu o contrário. Vladímir Korotáyev, no mesmo início da investigação, após tomar conhecimento sobre certas “bolas de fogo” misteriosas, que os mansi tinham avistado no lugar nos dias do perecimento do grupo de Dyátlov e, até recebeu deles um desenho destas “bolas”, começou a recopilar mais evidências do referido fenômeno. Entretanto, os seus chefes rapidamente o fizeram parar, aconselhando-lhe, pelo telefone, a não se mover naquela direção.

Quanto aos mansi, todos os que se encontravam sob prisão foram liberados. Alguns dos caçadores indígenas participaram, posteriormente, das buscas de uma forma plenamente oficial, cobrando salário.

Mas a grande pergunta se faz: o que forçou os membros do grupo de Dyátlov a saltar para fora da tenda? – e sempre falta a resposta.

Onde estão os outros quatro?

As buscas aos corpos dos últimos quatro turistas demoraram por dois meses inteiros. Ao longo de março e abril, os socorristas, alinhados em fila e armados com longas sondas, estavam percorrendo, metodicamente, setor por setor. A neve estava até os joelhos, às vezes, até a cintura. Em cada metro quadrado, eles cravavam a sonda por cinco ou seis vezes.

Os socorristas com neve até a cintura.

Às vezes, a sonda não afundava em seu comprimento inteiro, tocando alguma coisa. Surgia então a esperança; mas, escavando a neve nestes lugares, os socorristas encontravam apenas um tronco ou uma pedra.

As difíceis buscas numa imensidão gelada.

Os socorristas seguem em uma fila espessa.

Começaram a surgir versões de que os quatro últimos teriam conseguido abandonar o lugar, indo para algum outro lado, mas onde teriam que ser buscados? A mais provável localização seria perto do labáz, mas este estava intacto.

Os socorristas estavam cansados do trabalho monótono e ineficaz, como também de viver em uma tenda na floresta coberta de neve. Tornou-se claro que era preciso esperar o descongelamento da neve, e em abril, perto de Kholat Syakhyl, permaneceu apenas um pequeno grupo de buscadores.

Este seguinte episódio extraordinário contribuiu também para uma drástica redução no número das equipes de resgate.

Em 31 de março, às 04:00 da manhã, o estudante do UPI V. Meshcheryakov, que estava de plantão naquela noite, deu o alarme, fazendo se levantar a todos. A partir de sul-leste e direitamente para a direção deles, movia-se no céu um grande anel de fogo. O objeto esteve se movendo lentamente durante 20 minutos. Depois, se dirigiu para trás da serra vizinha, surgindo com isso, a partir do meio desse “anel”, uma “estrela”, que logo começou a cair, separando-se do tal anel.

Mescheryakov lembra o ocorrido:

“Eu não senti medo algum. Marquei o tempo e comecei a observar cuidadosamente o objeto à medida que se estava aproximando, já que a trajetória do voo era de aproximação. Quando passou a serra, ficou perfeitamente visível. Era um anel da cor de fumaça, como uma espécie de gás. Esse gás permanecia sem alterar os seus limites e como se estivesse oscilando, cintilando. As estrelas no fundo do objeto inicialmente desapareciam, mas, depois, tornaram-se visíveis. Parecia que o anel era ora transparente, ora oco. Eu disse em uma voz calma para a escuridão da tenda: ‘Se alguém quiser olhar para esse ‘papão’, saiam’. Eu pensava que todos estivessem adormecidos, mas o grupo pulou imediatamente na ‘rua’.

Uma estrelinha brilhante no centro do anel, que se movia com ele, de repente, começou a descer lentamente para abaixo, sem alterar o brilho e o tamanho. Quando o anel veio para a encosta da montanha, a estrelinha já estava perto da sua borda inferior. Logo, o objeto desapareceu atrás da encosta mais próxima, e nós ainda ficamos de pé, como a esperar por algo mais.

Passaram cerca de um ou dois minutos, e então nos pareceu que, atrás das montanhas aonde se escondeu o anel, brilhou algo como uma luz de solda elétrica, de modo que se destacaram os contornos da serra. Não chegamos a ouvir nenhum som.

O voo inteiro do anel durou 22 minutos. Na opinião geral, a distância entre nós e objeto no ponto mais próximo não era mais que de três a cinco quilômetros.

Do sonho, já nem se falava! Caso a direção do movimento do anel tivesse desviado alguns graus, como estávamos demonstrando uns aos outros, então, já poderia ter coberto tanto a nós, como o ex-acampamento do grupo de Dyátlov na encosta! Tínhamos certeza de que aquela era, precisamente, a solução para o perecimento dos nossos companheiros.

Na manhã, enviamos um radiograma, descrevendo o estranho objeto. A resposta não veio de imediato, mas apenas no dia seguinte, alegando que eles compreendiam que nós, por assim dizer, estávamos cansados e por isso, começando-nos a falhar a mente.

Enviamos um segundo radiograma, desta vez, seco, lacônico, no estilo militar. Logo, apesar do vento nas montanhas, veio um helicóptero, carregando rapidamente a todos, e uma hora depois já estávamos sentados no aeroporto de Ivdel. Ainda voltávamos a si, depois de uma descida quase vertical de uma altura de 400 metros; como resultado desta, alguns começaram a sangrar pelos ouvidos.

Troca da equipe de busca.

Lá, um dos líderes da expedição de busca veio até nós e francamente aconselhou a guardar silêncio sobre tudo. Eu levei esse conselho como uma ordem e, pela primeira vez em tantos anos, apresento esta história no papel, somente agora...”.

No final de abril, a neve começou a desaparecer gradualmente. Perto do cedro, aos olhares dos socorristas apareceram coisas curiosas: tocos cortados de píceas e abetos novos, cujos raminhos estendiam-se em fileira desde o cedro para o barranco, indicando algum tipo de trilha.

Na manhã de 5 de maio, o cão do caçador mansi Kúrikov encontrou a 50 metros para o sudoeste do cedro, precisamente onde foram cortados os abetos novos, a metade de uma calça esportiva preta de algodão, que se encontrava numa profundidade de 10 centímetros sob a neve. Lá, foi também encontrada a metade esquerda de um suéter feminino de lã marrom clara. Segundo foi estabelecido, o suéter pertencia a Lyudmila Dubínina. O coronel Gueorgui Ortyukov, chefe das operações de busca, decidiu prosseguir a escavação do fosso a 10 metros para o sudoeste do abeto cortado.

Trapo encontrado pelo cão de busca.

Radiogramas de coronel Ortyukov para Sverdlovsk:

5 de maio:

Às 18:40, durante a escavação do fosso, no fundo do riacho corrente foi encontrado um cadáver em suéter cinza, cuja escavação ainda continua. Os trabalhos têm de ser realizados na água. Eu estou indo para o trabalho e peço-lhes preparar para amanhã o voo de helicóptero a fim de trazer para aqui os representantes da promotoria e instrução às 09:00 horas. Alguma pergunta? Ortyukov”.

Este corpo era o de Lyudmila Dubínina.

O corpo de Lyudmila Dubínina foi encontrado no riacho.

6 de maio:

Eu decidi continuar a escavação deste fosso, embora seja muito difícil, já que a neve está muito firme. Peço ordem para nos enviar seis pás saparadoras de engenharia muito sólidas, com embocaduras muito resistentes e duas picaretas. Suponho que os mortos encontram-se nas proximidades das escavações. Serão requeridos soldados fisicamente fortes e resistentes, o que eu estou pedindo para ser advertido aos comandantes. Às 17:00 saímos para as escavações. Peço para comunicar a Nevólin [o radioperador] as suas sugestões e orientações para o meu desempenho. Ortyukov”.

A suposição do coronel Ortyukov estava correta: os corpos dos perecidos Kolevátov, Zolotaryov e Thibeaux-Brignoles realmente estavam perto do corpo de Dubínina. O espetáculo que se abriu aos olhos dos socorristas era simplesmente terrível. Todos os quatro cadáveres estavam perto um do outro, a 50 metros do cedro, debaixo de uma camada de quatro metros da neve dura, no fundo do barranco, através do qual corria um riacho incongelável.
 
Os corpos de Nikolai Thibeaux-Brignoles, Semyon Zolotaryov
e Aleksandr Kolevátov, no riacho.

Retirar os corpos era muito difícil, tanto fisicamente, como moralmente. Gueorgui Ortyukov animava a todos com o seu exemplo pessoal.
  
O coronel Ortyukov e os socorristas retiram os corpos.

 
Os corpos de Dubínina e Thibeaux-Brignoles, retirados do riacho.

 
Os corpos de Kolevátov e Zolotaryov, retirados do riacho.

Perto dos corpos encontrados, foi achado um revestimento feito a partir daquelas mesmas píceas e abetos novos, cujos raminhos tinham sido expostos debaixo da neve na área desde o cedro até o barranco. Sobre o revestimento, estavam postas as peças de roupas, como se preparadas para o assentamento de quatro pessoas: “suéter de lã pura sem mangas, de cor cinza, de produção chinesa; calças quentes melhoradas de malha, cardadas no lado esquerdo, de cor marrom, os elásticos superior e inferior das calças estão rasgados; suéter quente de lã, de cor marrom, com fio lilás; a perna direita das calças foram inicialmente encontradas (...)”. (do radiograma de Ortyukov).

O revestimento no barranco.

Estava emergindo a imagem da tragédia: os últimos quatro estiveram preparando, de acordo com todas as regras da invernação turística, um revestimento para se sentar na neve, escondendo-se no barranco daquele misterioso perigo, que estaria ameaçando-os. A julgar pelo fato de que tinham sido preparados apenas quatro assentos, eles foram os últimos vivos e sabiam sobre o perecimento dos demais companheiros.

O barranco: 1 - lugar onde foram achados os corpos; 2 - lugar do revestimento.

Era preciso levar os corpos, embalados em sacos de lona, para Ivdel, para que seja realizada a autópsia. Mas então surgiu um problema: as tripulações dos helicópteros recusaram-se a levá-los a bordo sem caixões de zinco. Nessa altura, já estavam espalhados vários rumores sobre a morte dos turistas, inclusive, uma versão da contaminação radioativa. Os pilotos realmente tinham medo de levar aquela carga a bordo, alegando as instruções correspondentes a tais casos. Ortyukov queixou-se para o centro, sendo que os caixões de zinco logo foram enviados.

As buscas terminaram, e as sondas já não mais são necessárias.

Segunda perícia médico-legal: um choque

A perícia médico-legal dos últimos quatro cadáveres foi realizada pelo mesmo perito, Borís Vozrozhdiônny, em 9 de maio.

Borís Vozrozhdiônny.

Os resultados desta perícia deixaram estupefatos a todos: os traumas eram muito graves e de um tipo totalmente diferente, em comparação com os primeiros mortos. A leitura de tais materiais não é uma experiência muito agradável, mas remonta uma imagem fidedigna do estado das coisas. Das inúmeras páginas dos laudos, vamos extrair apenas os detalhes mais importantes.

Nikolai Thibeaux-Brignoles: ele e Zolotaryov estavam vestidos melhor do que o resto, particularmente, Thibeaux estava até mesmo calçado com válenqui (botas altas de feltro), e em seu bolso, foram encontradas as luvas; isso sugere que os dois homens, Thibeaux e Zolotaryov, encontravam-se fora da tenda no momento em que os outros começaram a se trocar de roupa no seu interior. Aparentemente, também pertenciam a eles as duas fileiras de pegadas à parte das outras, que foram encontradas inicialmente.

Thibeaux-Brignoles usava um gorrinho tricotado, um capacete de pele, uma camisa de malha, um suéter de lã, um casaco de pele, dois pares de calças, as meias e os válenqui. Na sua mão esquerda, havia um relógio esportivo, indicando 8:14, e um relógio “Pobéda” (‘Vitória’), mostrando 8:39.

O exame encontrou: na ausência de lesões externas, Thibeaux tinha uma terrível fratura deprimida do osso temporal, de 3 x 7 centímetros; congestão no músculo temporal direito; fratura multi-estilhaçada, transitando para a fenda do crânio na região superciliar do osso frontal e da outra parte, na região da sela túrcica.

Esquema do trauma no crânio de Thibeaux-Brignoles.

Conclusão: “(...) a sua morte resultou de uma fratura fechada, multi-estilhaçada, deprimida, na região da calvária e da base do crânio, com congestão abundante debaixo das meninges e da substância cerebral, havida a ação de baixa temperatura ambiental. A morte foi violenta”.

Da conversa do juiz de instrução Lev Ivanov com o perito Borís Vozrozhdiônny:

Pergunta: Da ação de que força poderia Thibeaux obter esse tipo de lesões?

Resposta: No parecer, é indicado que as lesões na cabeça de Thibeaux poderiam ser o resultado de um empurrão, queda ou arrojamento do corpo. Eu não acredito que Thibeaux poderia receber essas lesões, caindo da altura da sua estatura, ou seja, que ele escorregou e bateu a cabeça. A fratura ampla, deprimida, multi-estilhaçada e muito profunda [da calvária e da base do crânio] pode ser o resultado do arrojamento por um carro movendo-se em alta velocidade, ou de outro acidente de trânsito. Tal trauma poderia ter sido ocasionado, caso Thibeaux fosse atingido por uma rajada de vento forte, com a posterior queda e golpe na cabeça contra as rochas, gelo, etc.

Pergunta: É possível presumir que Thibeaux teria sido golpeado por uma pedra que estava na mão de um homem?

Resposta: Neste caso, seriam lesionados os tecidos moles, mas isso não foi verificado”.

Lyudmila Dubínina: usava dois suéteres, uma camisa cowboy de mangas compridas, roupa interior, meias, dois pares de calças esportivas de algodão; não tinha calçado: uma perna foi envolta em metade das calças, que tinham sido cortadas do corpo de Krivoníschenko, a outra perna, em pedaço do suéter queimado.

O exame externo revelou o seguinte: a pele do rosto era da cor amarelo marrom; falta de tecidos moles na região de arcadas superciliares, intercílio, e a região têmporo-malar esquerda; na região do osso parietal esquerdo, há uma lesão tecidual de 4 x 4 centímetros; faltam os globos oculares; as cartilagens do nariz estão achatadas, os ossos do dorso do nariz, intactos; falta de tecidos moles do lábio superior no lado direito; na cavidade bocal, falta a língua; falta o diafragma da boca e da língua. A borda superior do osso hióide está exposta; mobilidade anormal dos cornos do osso hióide e da cartilagem tireóide. Na coxa esquerda, há uma equimose de 10 x 5 centímetros, as manchas cadavéricas localizam-se nas superfícies traseira e lateral do tronco e dos membros da perecida.

O exame interno revelou múltiplas fraturas bilaterais de costelas. No lado direito do corpo da perecida foram quebradas a 2ª, 3ª, 4ª e 5ª costelas em linhas média clavicular e axilar média. No lado esquerdo, foram quebradas a 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª costelas, o que provocou congestões consideráveis na cavidade torácica; uma costela quebrada lesou o coração, sendo apenas esse único trauma suficiente já para causar a morte. Após o traumatismo, Dubínina poderia ter vivido 10-20 minutos aproximadamente.

Traumas na caixa torácica de Lyuda Dubínina.

Como também revelou o exame, Dubínina, igualmente a Zina Kolmogórova, era virgem.

Conclusão: “(...) a morte de Dubínina foi causada por uma extensiva congestão no ventrículo direito do coração, múltipla fratura bilateral das costelas, abundante congestão interna na cavidade torácica.

As lesões indicadas poderiam ter surgido como resultado da influência de uma grande força, que causou um grave trauma fechado, fatal, da caixa torácica de Dubínina. Além disso, as lesões causadas em vida são precisamente o resultado da influência de uma grande força com a posterior queda, empurrão ou contusão na região da caixa torácica de Dubínina. (...) A morte de Dubínina foi violenta”.

Simplificando, os globos oculares foram removidos (até mesmo os rastos da retina não foram encontrados pelo perito, caso contrário ele teria indicado isso), e a língua, juntamente com o diafragma da boca, foram simplesmente arrancadas. Tal conclusão é obtida, se você prestar atenção à “mobilidade anormal” dos cornos do osso hióide, nos quais se fixa a língua; ou seja, estes cornos foram quebrados.

Também participou da autópsia a perita Guenriêtta Tchúrkina, que já tinha examinado anteriormente a tenda cortada. Segundo ela, “Eu estava presente também durante a perícia médica dos cadáveres, que foi realizada por Borís Vozrozhdiônny. Lembro-me bem quando, ao despojá-los das suas roupas e pendurar estas nas cordas, notamos imediatamente que essas roupas tinham uma estranha coloração violeta clara, embora fossem de uma variedade de cores. Perguntei à Borís: ‘Você não acha que as roupas foram tratadas com alguma coisa?’ Ele concordou.

Quando se descobriu que Dubínina não tinha a língua, fomos surpreendidos ainda mais. ‘Onde esta poderia estar?’, perguntei, novamente. Mas Borís encolheu os ombros. Pareceu-me que ele estava deprimido e até com medo...”.

De fato, havia algo com que se assustar: quem poderia extrair de uma pessoa viva (e todos os ferimentos foram reconhecidamente feitas enquanto em vida) a sua língua, juntamente com o diafragma da boca, sem utilizar qualquer instrumento? E para quê?

Semyon Zolotaryov: ele foi encontrado praticamente nas mesmas roupas, nas quais andou em esquis, ou seja, ele ainda não havia trocado de roupa no “momento X”. Usava dois chapéus, de tricô e de pele, dois pares de calças de esqui e por cima, um macacão de lona, uma camisa, dois suéters, um colete de pele, uma jaqueta de esqui; os seus pés estavam calçados em búrqui (botas de feltro) acolchoados. Na mão esquerda estava uma bússola, e no pescoço, uma câmera fotográfica, pendurada na correia.

Os exames externos e internos mostraram: falta de tecidos moles na região da sobrancelha esquerda de 7 x 6 centímetros, o osso estava exposto; órbitas vazias, falta dos globos oculares (também removidos completamente); na parte direita da nuca há uma ferida de 8 x 6 centímetros, com a exposição do osso; fratura de 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª costelas à direita, pela linha paraesternal e linha axilar média, com congestão nos músculos intercostais adjacentes; na roupa interior, rastos da defecação.

Traumas de Semyon Zolotaryov. Todos os órgãos da sua caixa torácica, sob a influência de alguma força desconhecida,
foram deslocados para a cavidade abdominal. Nas fotos tomadas no necrotério, que não publicamos por razões éticas,
nota-se que o corpo de Zolotaryov tinha a forma de uma pêra.

Conclusão: a morte de Zolotaryov “foi o resultado de fratura múltipla de costelas no lado direito, com congestão interna na cavidade pleural, havida a ação de baixa temperatura ambiental. As referidas fraturas múltiplas de costelas de Zolotaryov, com a presença de congestão na cavidade pleural, foram ocasionadas em vida e são o resultado da influência de uma grande força sobre a região da caixa torácica do Zolotaryov no momento da sua queda, pressão ou arrojamento”.

Pergunta do juiz de instrução Lev Ivanov:

Como o senhor pode explicar a origem das lesões de Dubínina e Zolotaryov: estas podem ser unificadas com uma única causa?

Resposta do perito Borís Vozrozhdiônny:

Eu julgo que a natureza das lesões de Dubínina e Zolotaryov, a saber, a fratura múltipla de costelas (bilateral e simétrica no caso de Dubínina, unilateral no caso de Zolotaryov), como também a congestão no músculo cardíaco (tanto no caso de Dubínina, como no de Zolotaryov), com a congestão nas cavidades pleurais, mostram que essas lesões foram feitas em vida, sendo o resultado da influência de uma grande força, aproximadamente tal como a que foi empregada contra Thibeaux. As lesões indicadas... assemelham-se muito ao trauma causado por uma onda de explosão”.

Um detalhe estranho: no ato da autópsia não há menção alguma sobre a língua de Zolotaryov. Todos os laudos têm registros sobre o estado da língua do perecido, mas não aqui. Com isso, está anotado que “a boca está amplamente aberta” (como também no caso de Dubínina, segundo vê-se na foto do necrotério). Será que também aqui não haveria a língua? E a investigação, assustada, tendo indicações de tirar obrigatoriamente as conclusões sobre a morte por congelamento, decidira deixar de adicionar detalhes inexplicáveis? Deste modo, o perito simplesmente “esqueceu de mencionar”, isso é tudo.

Aleksandr Kolevátov: estava bem vestido, usava uma camiseta, uma camisa esportiva, uma camisa quente, dois suéters e uma jaqueta de esqui. Na manga esquerda da jaqueta havia um buraco com bordas queimadas, de 25 x 12 centímetros, e rasgões na manga direita, de 8-7 centímetros. A parte inferior do corpo também estava bem protegida: cuecas, calças de esqui, calças-macacão de lona. Nos seus pés, havia três pares de meias de algodão, e sobre estas, meias de lã, queimadas em alguns lugares; não estava calçado, nem usava chapéu.

O exame revelou: mobilidade incomum das cartilagens do nariz (quebradas?); o pescoço, deformado na região da cartilagem tireóide; atrás da aurícula direita, há uma ferida de forma incerta, de 3 x 1,5 centímetros, penetrante até o processo mastóide do osso temporal; na bochecha direita, há um defeito dos tecidos moles, medindo 4 x 5,5 centímetros, da forma oval irregular, chegando até o osso do maxilar inferior.

Conclusão: “(...) A sua morte resultou da influência de baixa temperatura. As lesões na região da cabeça, encontradas no corpo de Kolevátov, representando defeitos de tecidos moles, são alterações post-mortem do cadáver, que permaneceu na água durante o tempo imediatamente anterior à sua descoberta. A morte de Kolevátov foi violenta”.

Nesta conclusão, surpreende o seguinte: a ferida penetrante na região da orelha direita, aparentemente, não é tomada em consideração, no entanto, precisamente esta poderia ser a causa da perda de consciência e o subsequente congelamento, sobretudo, considerando o pescoço deformado e o nariz lesado... Tampouco foram observados os sinais das partes congeladas do corpo.

Outra surpresa é que nos laudos não se faz menção alguma ao fato do aparecimento de uma estranha coloração violeta clara sobre a totalidade das roupas. Possivelmente, Vozrozhdiônny comunicou essa informação à Ivanov verbalmente, porque caso contrário, não se pode explicar o fato de o juiz de instrução ter decidido de repente enviar as roupas dos perecidos a um exame radiológico.

Como resultado de medições dosimétricas de substratos sólidos das roupas, a carga máxima foi detectada em um suéter: 9900 desintegrações por minuto, a partir da área de 150 centímetros quadrados. Outros ‘substratos’ têm uma carga significativamente menor. A lavagem experimental das roupas mostra que a contaminação pode ser removida, o percentual da limpeza varia de 30 a 60 por cento.

No processo da determinação do tipo de radiação, foi estabelecido que a atividade ocorreu devido às partículas beta. As partículas alfa e partículas gama não foram detectadas.

A falta de equipamento e condições apropriadas no laboratório não permitiram realizar a análise radioquímica para determinar a estrutura química da fonte de radiação e a energia desta”.

A conclusão radiologista não esclarece, mas remonta uma confusão adicional. A presença de radiação “é causada não pelo fluxo de nêutrons e a radioatividade induzida, mas pelas partículas radioativas...”. Em outras palavras, as roupas foram contaminadas por poeira radioativa. De onde surgiu? Posteriormente, os laudos de exame radiológico desapareceram do inquérito por muito tempo.

Voltando ao perito Borís Vozrozhdiônny, vamos dizer que ele se lembrava dos nomes de todos os turistas até 30 anos após os acontecimentos de 1959. Mesmo antes de sua morte, ele não revelou tudo o que sabia e, talvez, ocultasse sobre estas autópsias. A lei de “não-divulgação da informação” era estrita e é claro, que ele assinou os papeis correspondentes sobre a preservação do sigilo.

Algo

Então, todos os turistas, ou melhor, os seus corpos, foram encontrados. Mas para a investigação, como para o restante dos membros dos eventos, ainda eram nada claras as circunstâncias das suas mortes. Ainda não há resposta a duas questões fundamentais: 1) Por que os turistas deixaram a tenda em pânico?; 2) Por que não voltaram a ela, se a tenda sempre permaneceu no seu local, sem nenhum traço de qualquer invasão estranha?

Vamo-nos pensar nisso também.

Que imagem do incidente emerge em base a todas as descobertas feitas durante a investigação? Tentemos raciocinar.

Os turistas foram obrigados a parar na encosta da montanha Kholat Syakhyl por causa do mau tempo, pouca visibilidade e vento forte. O promotor criminal Lev Ivanov, com base nas últimas fotografias feitas pelo grupo, definiu o tempo de início da instalação da tenda como às 17 horas, devido à natureza do filme, a extensão da luz, etc. Mas é possível afirmar com alto grau de certeza que isso teria ocorrido no mais tardar às quatro horas da tarde. Por quê?

Primeiro, o cálculo feito não leva em conta as particularidades da extensão da luz nas montanhas. Olhando para o gráfico do nascer e o pôr do sol e da lua naquele dia, e naquele local, teremos:

Coordenadas: 61°45'1.35"N 59°27'43.59"E. (o Passo Dyátlov).
Fuso Horário: GMT +5:00

Domingo, 01 de fevereiro de 1959:
Crepúsculo astronômico: 06:53
Crepúsculo civil: 08:42
Nascer do sol: 09:35 azimute 128
Pôr do sol: 16:58 azimute 232
Crepúsculo civil: 17:52
Crepúsculo astronômico: 19:42

Segunda-feira, 02 de fevereiro de 1959:
Nascer da lua: 04:25, azimute 128, completude 37%
Pôr da lua: 11:53, azimute 230, completude 33%

Isso significa, que em 1º de fevereiro o sol se pôs completamente às 16:58, já estava escuro às 17:52, e às 19:42, veio a noite escura, sem lua, sendo que esta nasceria somente às 04:25. No entanto, na foto da instalação da tenda ainda se vê bastante claridade.

Em segundo lugar, nas entradas dos diários, há referência ao fato de que o grupo estava se movendo de 1,5 a dois quilômetros por hora, sob mau tempo e condições pesadas. Naquele dia, eles saíram entre 14:30 e 15:00 horas, rompendo cerca de dois quilômetros apenas, ou seja, eles caminharam por cerca de uma hora: logicamente, não poderiam gastar duas horas em 1800 metros. Então, quando eles decidiram instalar a tenda, eram por volta de 16 horas, respectivamente. A escavação do buraco para a tenda, a instalação desta e a montagem do acampamento tomariam não menos que uma hora. Ocorre que por volta das 17 horas todo o grupo já teria se acomodado na tenda, podendo começar a se trocar de roupa, preparar-se para o jantar e escrever o jornal humorístico.

Dois do grupo, Thibeaux e Zolotaryov, obviamente encontravam-se fora da tenda, a julgar pelo fato de que ambos estavam praticamente vestidos e calçados. Eles saíram, provavelmente, por necessidades naturais, levando a lanterninha (portanto, estava escurecendo, ou já estava escuro), a qual, posteriormente, seria encontrada em cima da tenda. Naquele momento, os membros do grupo dentro da tenda estavam se trocando de roupa, sendo que uns estavam mais vestidos e outros menos, mas todos já tinham tido tempo de tirar o calçado.

Em um dado momento, os dois de fora vêm “Algo” interessante, incomum e decidem capturá-lo sem falta no filme fotográfico. Rapidamente, informam para a tenda sobre esse “Algo” avistado, os de dentro passam imediatamente a câmera à Zolotaryov (como seria esclarecido posteriormente, em meio da confusão foi-lhe dada a câmera de outra pessoa). Já não mais deixaria essa câmera até o momento da sua morte e seria encontrado com ela. Uma outra câmera foi encontrada de fora, em cima da tenda, ao lado da lanterninha; disso, há registro no ato do capitão Aleksei Tchernyshôv (vice-chefe das operações de busca). A lanterninha poderia ser necessária para a iluminação da câmera no momento do seu ajuste, já que não existiam então as câmeras automáticas.

Os outros membros do grupo também urgentemente tiram as suas câmeras; Krivoníschenko teve tempo até para instalar a sua em um tripé e até mesmo inserir um filtro de luz. Geralmente, as fotos são tomadas a partir do tripé à noite, quando o tempo da exposição aumenta. Mas, por que usar um filtro naquelas condições de escuridão, ou pelo menos, de um profundo crepúsculo? Provavelmente, eles estariam filmando algo incrivelmente brilhante.

Então, os eventos começaram a se desenvolver muito rapidamente e de forma muito ameaçadora. Todos os aparelhos fotográficos, incluindo aquele que estava no tripé, foram atirados na tenda de qualquer jeito, sendo encontrados depois pelos socorristas Slobtsov e Sharávin diretamente em cima do resto das coisas, misturados aleatoriamente com o calçado e os biscoitos esparramados. Este fato confirma a idéia de que a última coisa da qual se ocuparam os turistas na tenda no momento anterior ao pânico, era a fotografia. O filtro de luz foi quebrado.

O grupo percebeu de alguma forma que estaria correndo risco mortal se ficasse na tenda. Mas os turistas, por algum motivo, não deixam a tenda através da entrada, senão começam a cortar freneticamente a superfície lateral. Praticamente, é possível dizer com precisão do minuto quando isso aconteceu: na mão de Ígor Dyátlov, havia um relógio quebrado, muito provavelmente, deixou de funcionar durante esse pânico e marcava 17:31.

As pessoas conseguem sair da tenda e por alguns minutos permanecem a 20 metros dela, aparentemente, pisando ora num pé, ora noutro, como se o grupo estivesse à espera de todos os membros, antes de iniciar a descida (haviam marcas de tais pisadas). Durante esses minutos, deixam cair parte das coisas que conseguiram agarrar: calçado, chapéus, luvas, camisa cowboy de Dyátlov com as meias e os chinelos envoltos nela. Em seguida, eles propositadamente, sem parar e sem cair (não há sinais de caídas) caminham todos juntamente para baixo da encosta. Primeiro, aparecem pegadas de sete pessoas, logo, somam-se a estas, pegadas de duas pessoas mais.

Fragmento do depoimento de capitão Aleksei Tchernyshôv:

A encosta representava uma baixa irregular, atravessada transversalmente por algumas linhas de pedras, indo paralelamente.

A partir da tenda, a 30-40 metros, foram encontradas algumas claras e bem visíveis pegadas de pessoas. Estendiam-se em fileiras paralelas, próximas uma da outra, como se as pessoas caminhassem, segurando as mãos. As fileiras de pegadas pareciam como se estivessem estendidas em duas direções: contamos 6 ou 7 pares de pegadas a partir da tenda para o vale, e à esquerda deles, cerca de 20 metros, iam ainda mais dois pares de pegadas. Depois, essas pegadas (2 e 7 pares) uniram-se após uns 30 ou 40 metros, e não mais se separavam”.

Aparentemente, ao se aproximar o perigo, Thibeaux e Zolotaryov fugiram para alguma distância, e depois, se juntaram aos companheiros. O grupo não estava indo apenas para baixo, longe da tenda. Eles caminhavam descalços e mal vestidos, por cerca de um quilômetro e meio, buscando a floresta, por ser possível se esconder entre as árvores. Caminhar não era fácil, a neve chegava até os joelhos, e debaixo da neve, encontrava-se frequentemente o kurúmnik, isto é, pedras de vários tamanhos, formando uns “fluxos” de pedras. Este caminho tomou-lhes de 45 a 60 minutos.

Os dyatlovtsy desceram do monte para este lugar.

As pegadas do grupo na encosta da "Montanha dos Mortos".

Assim, atingindo a floresta, todo o grupo parou sob o cedro. Imagine a situação: choque, frio atroz, eles, desarmados, sozinhos frente a alguma ameaça muito grande e com grande probabilidade de se congelar até a morte. Como mostrou o exame pericial, apenas dois membros do grupo tinham fósforos naquele momento: Kolevátov e Slobodín. A primeira coisa da qual certamente se ocuparam, foi fazer a fogueira com ramos de abeto, como descobriram os socorristas. Não foi fácil: os galhos não são fáceis de pegar fogo, é preciso de papel. Eles arrancavam pedaços de roupas e, posteriormente, foram encontrados tais pedaços carbonizados. Um detalhe importante: a fogueira foi armada atrás do cedro, sem que pudesse ser vista do lado da tenda. Consequentemente, o perigo ainda se encontrava lá, eles tentaram passar despercebidos, sendo que o fogo não serviu de farol para aqueles que começaram a se arrastar até a tenda...

A fogueira estava ardendo cerca de uma hora e meia, porque os ramos de 8 centímetros de espessura consumiram-se à metade.

Certamente, eles discutiram rapidamente a situação, calculando as possibilidades, e foi adotada a decisão de se dividir em três grupos pequenos. O primeiro grupo estava composto por Doroshênko e Krivoníschenko, eles deviam permanecer perto da fogueira e monitorar a tenda. Como? Esta encontra-se a uma distância de 1,5 quilômetros e só pode ser vista de cima, por isso, os rapazes começam a montar um posto de observação sobre o cedro, no qual, de acordo com os socorristas, a uma altura de 5 ou 5,5 metros, foram quebrados os galhos e feita uma espécie da janela para o lado da tenda. Foi um trabalho infernal: subir o tronco escabroso num frio atroz (foi por isso que eles receberam as escoriações longitudinais sobre os braços, pernas e tronco), ao quebrar os galhos grossos e espinhosos. No frio, as mãos congelam-se primeiro, e num frio forte, com o tempo perdem a sua sensibilidade, os dedos dobram-se mal, por isso, os rapazes, ao subirem no cedro, deixaram no seu tronco tanto os pequenos pedaços da sua pele, como o sangue, segundo foi apontado pelo juiz de instrução Lev Ivanov.

Este é aquele mesmo cedro. Foto dos socorristas.

O segundo grupo, composto por Dyátlov, Slobodín e Kolmogórova, decidiu ainda tentar chegar à tenda e pegar as coisas vitais. Foi como um reconhecimento em vigor. Além do mais, eles simplesmente não tinham escolha: na tenda se encontrava a sua chance de sobreviver. Krivoníschenko e Doroshênko também deveriam observar através da “janela” entre os ramos, o movimento dos três pela encosta. É difícil dizer em que ordem eles estavam indo para a tenda, quem foi o primeiro, quem foi o segundo e o terceiro. É claro que eles não se moviam juntos, mas um por um, às escondidas. O que novamente nos leva à conclusão de que o perigo ainda existia, encontrando-se sempre lá, perto da tenda. Zina passou ou arrastou-se mais longe de todos os três, percorrendo mais de metade do caminho, a morte alcançou-a a 850 metros do objetivo. A 150 metros dela, pereceu Slobodín, e a 180 metros deste, Dyátlov. Seu avanço foi o menor entre todos. Iam caminhando ou se arrastando? Os dois primeiros foram encontrados na posição de quem estava rastejando, significando que tinham medo de serem descobertos.

O terceiro grupo, composto por Kolevátov, Thibeaux, Dubínina e Zolotaryov, aparentemente, tinha por tarefa arranjar um abrigo temporário no barranco, a cerca de 70 metros do cedro. A escolha recaiu sobre eles, porque Thibeaux e Zolotaryov estavam vestidos e calçados, portanto, capazes de trabalhar no frio; Kolevátov também estava vestido decentemente, e quanto a Dubínina... Por alguma razão, parece-me que Lyudmila poderia oferecer-se por sua própria vontade para esse grupo, em muitas fotografias da caminhada nota-se que ela é atraída mais por essa parte da equipe. A tarefa dos quatro era cortar píceas e abetos novos para fazer revestimento no barranco. Felizmente, Krivoníschenko tinha a faca, obviamente, a tenda foi cortada com esse instrumento, porque a sua bainha foi encontrada posteriormente sobre a neve, perto da tenda.

Os quatro foram mortos por último. Isto é evidenciado por meio das peças de roupas que obviamente foram cortadas dos corpos de Doroshênko e Krivoníschenko e utilizadas parcialmente pelos quatro para o seu aquecimento; como também pelo fato de que o terceiro grupo finalmente arranjou o revestimento no barranco para quatro assentos, isto é, apenas para eles próprios.

Chamo a atenção para o clima moral no grupo. Thibeaux e Zolotaryov, estando vestidos e calçados, poderiam ter deixado os amigos, pois tiveram chance real de fugir para o labáz, onde havia um par de esquis e mantimentos. Ou seja, esta era uma oportunidade real para se salvar, como poderiam ter feito outros que estivessem no seu lugar. Mas eles ficaram com o resto do grupo até o fim.

Tal foi, por assim dizer, a localização de todos os participantes da tragédia. O que aconteceu lá?

Parece que Algo (vamos usar o termo do promotor criminal Lev Ivanov, “Força Maior”, acrescentando apenas as palavras “Não Identificada”, ou seja, FMNI) selecionou para si o cenário da “caça selvagem”. O impacto da FMNI sobre o grupo aconteceu por várias vezes, com intervalos no tempo. Primeiramente, a FMNI expulsou-os fora da tenda para o frio, permitindo-lhes caminhar o suficientemente longe. Depois, essa força (ou fenômeno) não permitiu aos três turistas atingir a tenda, fazendo-os parar no seu caminho, imobilizando-os de alguma forma. Lembremo-nos do sangue nos lábios de Dyátlov, o sangue perto da cabeça de Zina, o sangue no nariz de Slobodín e a fenda no seu crânio. Normalmente, a hemorragia não está presente durante a morte por congelamento, consequentemente, eles receberam primeiro algum impacto que lhes produz a hemorragia e os fez perder a consciência, o resto foi feito pelo frio atroz.

Depois de um período de tempo, a FMNI também imobilizou os dois que estavam perto da fogueira, condenando-os à morte por congelamento; estranhas queimaduras até o grau de carbonização, o líquido espumoso da boca, a estranha cor da pele e o líquido espumoso nos pulmões de todos os cinco - tudo isso não pode ser produzido pelo frio, trata-se do impacto de alguma outra força.

Logo, como se entrando em um acesso de raiva, a FMNI mutilou fortemente e aniquilou os quatro no barranco.

Que “força” era essa? Como os turistas chegaram a receber tão terríveis traumas internos, na falta de quase qualquer lesão externa? Como os corpos dos quatro chegaram a se encontrar no riacho, a seis metros do revestimento, que eles estavam fazendo, empregando as últimas forças que lhes restavam? Por que sobre eles havia uma camada de neve tão grossa, de quatro metros? Porque essa neve resultou ser tão forte que o coronel Ortyukov pediu as picaretas e pás saparadoras para escavá-la? Ninguém pode responder a essas perguntas. Existem apenas conjeturas e suposições a respeito...

Toda essa trágica luta do grupo de Dyátlov pela vida durou aproximadamente duas horas, a partir de 17:31 até por volta das 19:30 ou 20:00. Por volta dessa hora, já não havia ninguém vivo. Como isso pode ser deduzido?

A partir das 17:31, quando deixaram a tenda para a fuga em pânico, há que adicionar cerca de uma hora na descida do local da tenda para a floresta; logo, pelo menos meia hora que levaram para acender a fogueira, mais uma hora e meia de sua queima – após essa hora ninguém mais mantinha o fogo, pois não restou nenhum vivo. Provavelmente, na última meia hora o fogo simplesmente estava se extinguindo.

Há mais duas evidências apontando para as 20:00 (mais ou menos alguns minutos) como o momento da morte de membros do grupo: 1) como estabeleceu a perícia, todos os turistas tiveram a sua última refeição por volta de 6-8 horas antes de sua morte, entanto que eles comeram antes de ir para o Kholat Syakhyl, por volta das 14:00; 2) todos os relógios, exceto o relógio quebrado de Dyátlov, mostram uma hora posterior às 20:00, especificamente, 20:14, 20:39, 20:45. É verificado que os relógios mecânicos da época, tendo como graxa interna um óleo especial, param aproximadamente após 40 minutos depois de serem colocados sobre uma superfície absolutamente fria, isto é, sobre o gelo. A mão de uma pessoa em processo de congelamento esfria-se gradualmente, e o relógio esfria-se simultaneamente com ela, assim, esse processo pode ser ainda mais rápido. Em todo o caso, nós concluímos que por volta das 20:00 horas do 1º de fevereiro de 1959 o grupo de Ígor Dyátlov pereceu na sua totalidade. Lembremo-nos das palavras do jornalista Yuri Yarovoy: “Eles lutaram por suas vidas como homens de ferro”.

Caso fechado

obkom (comitê regional) do Partido Comunista em Sverdlovsk, na pessoa do seu 1º Secretário Andrei Kirilênko, e do 2º Secretário, Afanasy Yeshtokin, estava constantemente apressando a investigação, demandando que esta fosse concluída até o 28 de maio, como a Procuradoria Geral em Moscou exigia o inquérito para a revisão.

Segundo lembram os investigadores da equipe, Kirilênko, apelidado de “rei e deus” local pelo juiz de instrução Vladímir Korotáyev, naquela altura já estava se preparando para ir à Moscou. E, de fato, ele se mudou para lá em abril de 1962, como membro do Bureau Político, passando para o mesmo topo da hierarquia do partido. Por isso, não queria categoricamente quaisquer complicações e escândalos em relação ao perecimento dos turistas. Segundo ele, os resultados deveriam ser os mesmos que no caso das primeiras vítimas: já que Nikita Khrushchov foi comunicado que os primeiros tivessem sido congelados, então, essa versão deveria permanecer. Em outras palavras, sobre a investigação e os seus resultados foi exercida uma pressão mais rude e grosseira. Foi também pela mesma pressão que o perito Borís Vozrozhdiônny poderia ter deixado de mencionar a totalidade dos dados nos laudos da autópsia. De acordo com Vladímir Korotáyev, “eles [os peritos], depois, também tiveram problemas por causa deste caso”. A ordem era de “remover tudo o desnecessário” do inquérito.

Vladímir Korotáyev lembra de sua conversa com Lev Ivanov, acompanhada de um copo de vodka, quando o promotor criminal admitiu francamente: “Yeshtokin tinha me martirizado”. Portanto, a principal conclusão da investigação, chegou a ser a ausência do elemento criminoso no perecimento do grupo de Dyátlov e, como causa da morte, foi assinalado um acidente resultante de uma força maior. Na ocasião, chegaram a ser punidas algumas figuras não muito proeminentes.

Fragmento da Resolução sobre o fechamento do processo criminal:

Considerando a falta nos cadáveres de lesões corporais externas e sinais de luta, a presença de todos os objetos de valor do grupo, bem como, tendo em conta o parecer da perícia médico-legal sobre as causas da morte de turistas, há que se assumir que a causa do perecimento dos turistas foi uma força elementar que os turistas não foram capazes de superar.

Por deficiências na organização do trabalho de turismo e um fraco controle, o CM [Comité Municipal] do PCUS em Sverdlovsk puniu em ordem partidária: a Siunôv, diretor do Instituto Politécnico de Ural; a Zaostrovskikh, secretário do bureau do partido; a Slobodín, presidente do comitê sindical do UPI; a Kûrotchkin, presidente da união municipal de sociedades esportivas voluntárias; e a Ufímtsev, inspector da mesma união. Gordô, presidente da direção do clube esportivo do instituto, foi demitido.

Considerando que não existe a causalidade entre as ações das pessoas acima mencionadas, que cometeram falhas na organização do trabalho esportivo, e o perecimento do grupo de turistas, e não encontrando o corpo de delito neste caso, de acordo com o parágrafo 5º do artigo 4º do Código de Processo Penal da RSFSR, é decidido: por meio da instrução posterior, cessar o processo criminal sobre o perecimento do grupo de turistas.

Promotor Criminalista, Conselheiro de Justiça Subalterno, IVANOV

Chefe do Departamento de Investigação, Conselheiro de Justiça, LUKÍN”.

Depois que o inquérito retornou de Moscou, Kirilênko mandou selá-lo, entregá-lo para a seção confidencial e esquecer-se dele, apesar de a Procuradoria da RSFSR não ter emitido instruções para torná-lo secreto. Pela indicação de Klínov, o promotor da Óblast de Sverdlovsk, o inquérito foi enviado à papelada confidencial, e as folhas com o exame radiológico, à papelada estritamente confidencial. A lógica por trás dessa decisão era clara: deste modo, seria possível esconder por longo tempo todas as falhas e imperfeições do processo de investigação e evitar muitas perguntas embaraçosas. Mas, em contrapartida, essas questões, após muitos anos, simplesmente explodiram aquele silêncio artificial que estava cercando o caso do perecimento do grupo de Dyátlov.

Os três dos últimos quatro dyátlovtsy foram enterrados no mesmo cemitério Mikhâylovskoye, ao lado de seus companheiros. Zolotaryov foi enterrado no cemitério Ivânovskoye, ao lado de Krivoníschenko; isso pode ser explicado apenas por uma única causa: o sítio no cemitério Mikhâylovskoye era de propriedade do UPI, enquanto Zolotaryov não era estudante deste instituto, além disso, ele nem sequer era um residente de Sverdlovsk. Desde então, no cemitério Mikhâylovskoye ergue-se este memorial abaixo, com as fotos da equipe perecida de Ígor Dyátlov; aqui, eles estão todos juntos, foi decidido não separar os companheiros no monumento.

Monumento aos dyátlovtsy no cemitério Mikhâylovskoye.

É possível retirar as folhas do inquérito, mas nem sempre é possível fazer calar a consciência. Muitos anos mais tarde, em 1990, o juiz de instrução Lev Ivanov declarou em uma entrevista ao jornal “Уральский рабочий” (“Trabalhador do Ural”): “Levo culpa, muita culpa perante os parentes dos jovens: não lhes permiti acessar os corpos. Bem, mas nem seria fácil suportar tal coisa. Unicamente, uma exceção foi feita ao pai de Lyuda Dubínina: abri um pouco a tampa da urna, para mostrar-lhe que a filha estava vestida devidamente. Ele perdeu a consciência.

Tenho apenas uma justificativa: não foi a minha vontade que estava sendo cumprida. O primeiro secretário era então Kirilênko, mas ele não intervinha abertamente no caso, eu fui ‘supervisionado’ por Yeshtokin, segundo secretário. Várias vezes, no curso da investigação, ele me chamou ao obkom. Ouvia os relatórios, dava as instruções. Uma babagem, claro, segundo os padrões de hoje. Mas agora é fácil julgar, enquanto então... Eu mesmo não tinha nenhuma duvida da legalidade da sua intervenção. Então, tudo era feito da mesma maneira. Diziam assim, com um ar de importância: ‘Você é um comunista!’. E foi assim que foi encerrada a investigação. Eu não trabalhei a fundo na versão das bolas luminosas. Consegui apenas realizar a perícia física e técnica. Até mesmo, levei para o lugar, determinado dispositivo, numa grande caixa de madeira...

— O contador Geiger? [Instrumento para medição dos níveis de radiação].

— Sim, algo parecido. Ele estava-me acusando umas tais ‘castanholas’... Havia radiação lá, sem dúvida. Mas donde e de que tipo, não me deixaram encontrar.

— Lev Nikítitch, você não enviou inquirições aos militares, ou cientistas?

— Ora, que inquirições poderiam haver naquele tempo... Como também naquela situação, que formou-se em torno do caso. Não, eu não enviei...

— Quem tornou o caso secreto e por que?

— Eu mesmo tornei-o secreto, retirei o exame, pois foi-me dito para ‘remover tudo o desnecessário’”.

Lev Ivanov.

Após 25 anos, o inquérito do caso do perecimento dos dyátlovtsy devia de ser queimado, de acordo com a ordem comum. Mas, Vladislav Tuykov, então atuando como promotor da Óblast de Sverdlovsk, não autorizou a fazê-lo, considerando o caso como sendo de “interesse público”. De fato, ele estava certo. A partir do momento quando no período da glasnost, entre 1989-90, foram publicados os primeiros materiais sobre o perecimento do grupo de Dyátlov, a sociedade realmente não pode encontrar a paz, tentando desvelar o mistério dessa tragédia.

Graças aos esforços dos entusiastas, os materiais sobre o grupo de Dyátlov chegaram a ser disponibilizados para todos: cópias do inquérito e fotos foram postadas na Internet, em domínio público.

As pessoas se reúnem em fundações e outros grupos surgem tentando resolver conjuntamente o mistério do perecimento dos turistas. Há pessoas, para quem essa tarefa se tornou uma espécie de sentido da vida e obsessão.

E estão nascendo versões ainda mais incríveis e cada vez mais fantásticas.

Na última parte desse trabalho, vamos observar as versões mais comuns. Por nossa vez, tentaremos determinar o assassino e, talvez, até olharmos para ele.  Duas navalhas

Considerar as numerosas versões que surgiram como resultado do conhecimento de milhões de pessoas sobre o mistério do Passo Dyátlov é uma tarefa complicada. O caráter fantástico de muitas delas vai tão longe que, simplesmente, causa perplexidade. Mas entre as enormes pilhas de especulações, conjecturas, ficções e adulterações, se escondem os fatos. São estes, precisamente, que nos são necessários. Portanto, eu convido os leitores a se armar para iniciar o processo das buscas pelos fatos e da sua formação em uma espécie da cadeia lógica. Sim, precisamente isso: armar-se. Com duas navalhas. A Navalha de Occam e a Navalha de Heinlein. Estes são dois princípios metodológicos que nos permitiram livrar-se de todo o desnecessário.

Lembremos sobre eles.

O método da “Navalha de Occam” foi nomeado assim, por conta de William de Ockham (Ockham, Ockam, Occam), filósofo nominalista e frade franciscano inglês da Idade Média. Em termos simples, este princípio diz: “A essência não deve ser multiplicada além da necessidade” (ou “Não devem ser multiplicadas novas entidades sem a necessidade absolutamente extrema”). Mas essa idéia como tal não pertence a Occam, ele apenas formulou o princípio conhecido desde o tempo de Aristóteles, denominado na lógica de “princípio da razão suficiente”.

Para nós, o princípio da Navalha de Occam será expresso no fato de nos basearmos exclusivamente nos fatos fixados no inquérito criminal do caso, e não vamos considerar as versões construídas sobre especulações e detalhes introduzidos pela imaginação dos participantes da discussão desta tragédia. Por que confiar nos dados do inquérito criminal? Temos visto como os funcionários regionais do governante Partido Comunista da União Soviética (PCUS) estavam ansiosos por obter dos investigadores criminais laudos de causas naturais para a explicação da tragédia do grupo de Dyátlov. No entanto, eles não conseguiram subjugar completamente a investigação: no inquérito, apareceram as laudas das perícias constatando traumas misteriosos, a análise radiológica, a constatação da ausência de pessoas estranhas no momento do incidente, os materiais de um fenômeno anômalo em forma de “bolas de fogo”. E Lev Ivanov, por mais que os chefes locais do Partido se esforçavam por “torcer-lhe o braço”, ainda qualificou a causa da morte como não sendo por um simples congelamento, ou uma avalanche, ou um furacão, mas alguma “Força Insuperável”. Outra coisa é que a investigação não foi autorizada para seguir em todas as direções possíveis. Isso é o que vamos tentar fazer agora, com base nas evidências do inquérito criminal.  

A “Navalha de Heinlein” (ou Hanlon) representa a afirmação sobre o provável papel de erros humanos nas causas de acontecimentos desagradáveis. Diz: “Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela estupidez”. O princípio é assim nomeado, após Robert A. Heinlein ter formulado essa ideia primeiramente no seu conto “Logic of Empire” (1941). A ideia de que o mundo seja regido por uma medida muito maior de estupidez e incompetência, do que pela malícia e dolo, repetidamente soou dos lábios de grandes, como Goethe e Napoleão. Mas, as pessoas são muito mais fáceis de se convencer com a ideia de uma conspiração do que fazê-las acreditar que o mundo está sendo regido puramente pela incompetência.

Armados com essas duas navalhas, nós prosseguiremos à análise.

Então, vejamos as principais versões.

Detalhe do Passo Dyátlov a partir da Montanha dos Mortos. À direita está o vale do rio Áuspiya, de onde veio o grupo de
Dyátlov, posteriormente, foi local de acampamento para os socorristas. À esquerda, o vale do rio Lozva, onde tudo aconteceu.

Avalanche

Uma das versões mais popularizadas é a hipótese de uma avalanche, que supostamente teria coberto a tenda do grupo de Dyátlov, ferindo fortemente alguns dos membros e forçando todos a saírem para fora da tenda em ação de emergência. Os turistas teriam fugido serra abaixo, buscando a salvação na floresta, e levando sobre os seus ombros os companheiros feridos: Thibeaux, Dubínina e Zolotaryov.

Objeções:

1) Esta não é em princípio uma área onde existe o perigo das avalanches; estas sucedem nos lugares, onde aconteceram anteriormente, mas naquele local nunca foram registradas.

2) O perigo da avalanche começa com uma inclinação de 23 graus, e a tenda dos dyátlovtsy estava instalada em uma inclinação de 15-18 graus. Do depoimento de Serguei Sógrin: “Em 4 de março, eu, Akselrod, Korolyov e três moscovitas [Bárdin, Báskin e Shuléshko, turistas mestres de Moscou] subimos para o lugar onde foi instalada a tenda de Dyátlov. Todos nós aqui chegamos à conclusão unânime de que a tenda foi instalada seguindo todas as regras turísticas e montanhistas. A encosta, sobre a qual estava instalada a tenda, não representava perigo algum, a sua inclinação é de 15-18 graus”.

Para ocorrer uma avalanche, é preciso que o ângulo de inclinação seja superior aos 23 graus.

3) A maior parte das avalanches ocorre na encosta sul de uma montanha, no tempo mais quente do dia, de 12 a 16 horas, enquanto, nesse caso, o “momento X” ocorreu no lado leste e durante as horas de escuridão.

4) Os turistas experientes (e os dyátlovtsy eram experientes) jamais fugiriam em busca de salvação para baixo de uma avalanche, pondo-se a si mesmos sob o golpe da massa de neve descendo violentamente; em vez disso, fugiriam para os lados, escapando assim da avalanche.
5) Sobre a tenda mesma, não havia nenhum sinal de avalanche; de acordo com Evgueni Máslennikov, um dos dirigentes das buscas, a “neve era pouca, apenas aquela que se juntou em fevereiro”.

6) Parte dos cordões de extensão da tenda, ajustados sobre as varetas de esqui, ficou intacta; consequentemente, se tivesse ocorrido, a tal avalanche teria sido extremamente “cuidadosa”.

7) Na foto tirada após a descoberta, a tenda não aparece puxada para um lado, na direção do movimento da suposta avalanche, como seria natural neste caso; em vez disso, a tenda simplesmente está dobrada no centro, por causa da quebra do cabo que suportava o meio do telhado.

A tenda do grupo de Dyátlov. Nota-se que não houve avalanche alguma, apenas os cordões de extensão que estavam
sustentando o telhado foram arrebentados, causa pela qual a tenda caiu. Os cordões laterais ficaram intactos.

8) No caso de uma avalanche, os turistas não teriam que fugir a 1,5 quilômetros de distância para certificar que a tenda ainda se encontrava no seu lugar.

9) As pegadas deixadas pelos turistas, não sugerem que algum deles foi arrastado pelos outros: todos os nove pares de pés mostraram passos firmes, nem sequer uma corrida. Mas com tais lesões como as que receberam Dubínina, Thibeaux e Zolotaryov, pelo menos três integrantes do grupo não poderiam se mover independentemente; a natureza das lesões de Dubínina não lhe dava mais do que apenas alguns minutos de vida.

10) Após a morte dos companheiros ao redor da fogueira e na área entre o cedro e a tenda, Dubínina, Zolotaryov e Thibeaux (que, de acordo com esta versão, já deveriam de estar fortemente lesados pela avalanche), obviamente, ainda sem lesões algumas, vestiram as roupas dos companheiros perecidos e se esconderam no barranco, mostravam-se ativos no arranjo do revestimento, o que não confere com a natureza dos seus ferimentos e fraturas.

11) Finalmente, o mais importante: por que os turistas não regressaram para a tenda, onde se encontrava a roupa quente, o calçado e o fogão, para se salvar de uma morte certa no frio, preferindo, em vez disso, construir um abrigo precário no barranco, acender uma fogueira e fazer observações estratégicas a partir do cedro?

Conclusão: essa versão da avalanche pode ser decepada.

Infrassom

O impacto de ondas de infrassom sobre os turistas poderia causar-lhes um estado de pânico e comportamento inadequado.

Objeções: a emissão natural do som de um impacto tão poderoso não foi encontrada naqueles territórios, e o interesse pelas fontes artificiais na União Soviética surgiu apenas no início da década de 1970, quando em alguns países foram criados os dispositivos de impacto próximo (para a dispersão de manifestações, por exemplo). No entanto, em 1959, no país não foi estudado, nem produzido nada semelhante.

Assim, decepamos essa teoria.

Teste de uma arma, queda de um foguete

Segundo alguns, os dyátlovtsy, naquela área poderiam ocorrer testes de uma nova arma ou eles poderiam testemunhar a queda de um foguete. Com o consequente pânico e a fuga da tenda.

Mas os testes jamais foram realizados em tais lugares, pois, para isso, existem polígonos especiais. Caso naquela área estivessem marcados quaisquer testes, o grupo de Dyátlov nunca teria conseguido, em Ivdel, a autorização para prosseguir a rota naquela direção; no entanto, eles (como também pelo menos dois outros grupos) receberam tais permissões.

Queda acidental de um foguete? Então, onde estaria a cratera e os efeitos da onda de explosão? Na área do acidente não há sinais, nem vestígio algum de tal queda, como crateras, árvores queimadas e caídas, vestígios de combustível derramado (como todos os foguetes soviéticos da época eram a combustível líquido). Caso caísse, por exemplo, um módulo de algum foguete com componentes nucleares, onde estaria este? A partir dos cosmódromos de Baikonur e Kapustin Yar, os foguetes soviéticos foram lançados exclusivamente na direção leste, sem atingir nem de longe o Ural. E o cosmódromo Plesetsk na época ainda estava em construção.

Na própria tenda, não há qualquer vestígio do impacto da hipotética explosão. Lembremo-nos que no grupo de Dyátlov, todos, exceto Zolotaryov, pertenciam à intelectualidade técnica e sabiam como se comportar em acidentes semelhantes. Deste modo, no caso de tal explosão, os turistas estariam deixando a tenda pela entrada, o que seria muito mais rápido do que tentar cortar uma lona grossa; no entanto, sobre a parede interior da tenda foram encontrados múltiplos arranhões e perfurações, o que sugere que os turistas se esforçaram para perfurar com a faca um material denso e fracamente esticado. Além disso, caso ocorresse uma explosão acidental de um foguete e os dyátlovtsy tivessem que fugir da tenda, logo teriam que voltar, obrigatoriamente, para apanhar os acessórios vitais, e não ficariam se escondendo na floresta para morrerem semi-nus.

Várias expedições para a área do Passo Dyátlov levaram à descoberta de muitos objetos deixados pelas equipes de resgate: sondas de metal, restos de cápsulas de cartuchos, ligações de esquis, latas de conservas, etc. Mas, quaisquer traços de “pessoas estranhas” ou “vestígios de testes” jamais foram encontrados. Os engenheiros Yuri Kuntsevitch e Aleksei Kóskin, grandes entusiastas por resolver o mistério do grupo de Dyátlov, efetuaram um exame da situação radiológica com aparelhos, recolheram amostras de solo e cortes de árvores, mas não chegaram a encontrar focos de radiação elevada na área do acidente, nem vestígios de propelentes.

Engenheiros Yuri Kuntsevitch e Aleksei Kóskin.

Portanto, decepamos essa versão.

Animais e ‘ieti’

A Navalha de Occam decepa tais versões devido ao fato de que, de acordo com numerosos relatos dos participantes das buscas, no local do incidente não foram encontradas pegadas de animais. Os corpos dos turistas não tinham mordidas, nem outros traços de garras e dentes. “Não vamos multiplicar as entidades”. Há que notar que anteriormente vários membros do grupo já tiveram a experiência do encontro com um urso aproximando-se perto da tenda, durante uma das suas caminhadas de verão: na ocasião, Yura Doroshenko agarrou um martelo geológico e lançou-se sobre o animal, gritando e pulando; o grupo logo uniu os seus esforços aos do companheiro, e o urso fugiu.

Com respeito à hipotética criatura denominada ‘ieti’: não há qualquer informação sobre as pegadas deste ser, ou sobre os encontros com algo parecido nesta área.

Consequentemente, também decepamos todas as versões desta categoria.

Grupos humanos hostis

Pela mesma razão – falta total das pegadas de pessoas estranhas na área, bem como de vestígios de golpes, brigas, facadas ou marcas de projéteis nos corpos dos perecidos – tais versões estão sujeitas ao decepamento pela Navalha de Occam. Mas vamos listá-las, todavia, para complementar o quadro.

Entre os principais candidatos a tal grupo humano hostil figuram:

1) Presos fugitivos dos presídios, localizados naquelas regiões;

2) Esquadrão de busca por tais presos, que teria matado aos turistas “por engano”;

3) Unidade de forças especiais, que teria assassinado os jovens por chegarem estes a testemunhar alguns ensaios secretos;

4) Espiões norte-americanos, com os quais estaria marcado um encontro com o fim da transferência de “dados secretos”;

5) Caçadores clandestinos, que teriam atacado os turistas por motivo de uma briga.

Como nos casos anteriores, todas essas versões são facilmente decepadas pela Navalha de Occam, mas, todavia, vamos nos deter brevemente nelas.

Presos fugitivos: no dado período de tempo, não houve fugas de presos, segundo é evidenciado pelo juiz de instrução Vladímir Korotáyev, o qual, na ocasião, tomou especialmente as informações do chefe do Ivdel’lag, ou Presídio de Ivdel. Os presos jamais empreenderiam uma fuga para a taiga e as montanhas, pois, desta forma iriam encontrar uma morte certa, sobretudo, no meio de um cruel inverno: como regra geral, os presos fogem para os povoados. Alem disso, os supostos presos fugitivos, aparentemente, teriam de ser verdadeiros “anjos”, porque não tocaram em qualquer objeto de valor, não tomaram os mantimentos, o álcool, nem o dinheiro, após, supostamente, terem “matado” os turistas.

Esquadrão de busca pelos fugitivos: é difícil imaginar militares que confundam presos com os turistas esquiadores, acampados em uma tenda, com os esquis ao lado dela.

Forças especiais: segundo testemunham os profissionais, na época, em 1957, foram criados apenas cinco batalhões de forças especiais, que estavam subordinados aos comandantes dos grupos de exército e distritos militares. Esses batalhões estavam localizados perto das fronteiras do país, e não no centro, onde encontra-se a Cordilheira dos Urais. As forças especiais do KGB, naquela época, contavam com apenas 82 homens (localizados em Moscou). Mas a objeção principal consiste em que as forças especiais tanto do exército, como do KGB, eram estritamente proibidas de integrar operações dentro do território da URSS.

Espiões norte-americanos: esta versão é bastante popularizada na internet e atrai muitos partidários pelo seu enredo “hollywoodiano”. Mas, por si só, tal operação seria tão complicada e ineficiente, tanto para os norte-americanos, como para os soviéticos, que simplesmente não vale a pena considerar essa hipótese de uma forma séria: esta é a opinião de experientes agentes profissionais, expressada por Mikhail Lyubímov, que era uma figura proeminente da inteligência soviética.

Caçadores clandestinos: os montes Kholat Syakhyl, Otortén e as suas imediações não são lugares de habitação para animais, sendo que até os profissionais caçadores mansi, moradores locais, não costumam caçar por lá. Como testemunhavam os socorristas, durante o tempo inteiro das buscas, apenas uma vez avistaram um lince; também conseguiam apanhar alguns lagópodes brancos, mas, obviamente, essa presa seria muito insignificante para que os caçadores clandestinos estivessem interessados em visitar aquelas paragens.

Imitação

Esta versão refere-se à categoria anterior (n. 3 de “Grupos humanos hostis”), mas dada a sua particular sofisticação, vamos discuti-la separadamente.

Por mais surpreendente que pareça, há um considerável número de fãs para discutir a versão da “conspiração do sangrento do KGB”, que teria matado os turistas inocentes, por quaisquer que sejam suas razões, e para encobri-lo, montou uma imitação da cena do suposto acidente. Assim, colocaram a tenda num lugar diferente do que ela estaria realmente, onde supostamente ocorreram tais eventos sangrentos, espalhando os corpos de uma forma pitoresca, chegando até a lançar alguns destes a partir de um helicóptero. Talvez, os autores desta ideia inspiraram-se na afirmação do perito Borís Vozrozhdiônny, na qual ele comparou a força de impacto sobre os corpos dos últimos quatro turistas com um “lançamento, ou queda a partir de uma altura”. Embora o próprio médico legista mantivesse em mente a possibilidade de uma queda dos turistas a partir da montanha, causada pela força do vento de um furacão (que, no entanto, não se fazia presente naquela noite). A versão de um furacão ou tempestade de neve, que teria lançado os turistas contra as rochas, era muito desejável para o obkom (comitê regional do Partido Comunista) de Sverdlovsk, que estava ansioso por promovê-la.

O caráter secreto do caso também chegou a ser uma fonte de inspiração para essa “teoria conspiratória”, ainda que, como já vimos, as pessoalidades que adotaram a decisão de classificar o caso foram guiadas pela tolice, incompetência e um franco cinismo.

Objeções:

1) Uma imitação deveria de dar uma imagem clara e compreensível do perecimento dos turistas, caso contrário, por que seria montada? No entanto, neste caso temos um enigma insolúvel. Por acaso seria por isso que foi montada a suposta imitação?

2) Seria ridículo organizar tal espetáculo, e depois não permitir vê-lo a nenhum jornalista ou mesmo outras “audiências” de fora. Então, por quem e com que propósito poderia ser montada a imitação da cena do acidente?

3) Que tipo de trabalho mais sofisticado e custos mais altos seriam necessários para tal empresa? No entanto, considerando a necessidade de eliminar a qualquer um (vamos admitir por um momento essa ideia bárbara), nota-se que em torno do lugar do incidente há centenas de pântanos. Ali seria perfeitamente possível fazer desaparecer para sempre os corpos de todos os turistas, bem como a sua tenda, sem chance de se produzir pistas ou qualquer traço do crime cometido. Mas aqui, ao contrário, foram necessários dois meses e meio de buscas complexas, que requereram, entre outras coisas, altos custos materiais, mas no final, nada foi explicado à sociedade.

4) Os imitadores, aparentemente, deveriam possuir asas, pois não deixaram suas próprias pegadas em nenhum lugar.

5) Caso algumas “estruturas malvadas”  tivessem montado tal imitação, toda a posterior investigação do caso estaria sob o seu controle; particularmente, nos laudos da perícia jamais apareceriam tais detalhes inexplicáveis, como os órgãos humanos retirados: os globos oculares e a língua.

Não vamos criar entidades e buscar gatos pretos onde eles não estão.

Deste modo, com a Navalha de Heinlein, decepamos também esta versão.

Resumindo estas versões, vamos dizer que, em qualquer caso, nenhuma delas oferece explicações para muitos fatos. Porque os turistas não voltaram para a tenda? Por que montaram um posto de observação em cima do cedro? Por que mudou a cor da pele deles? Por que não há lesões externas, na presença de graves traumas internos? O que se passou com os olhos e a língua de Dubínina, como também com os olhos de Zolotaryov? Além disso, muitas outras incógnitas ficam sem resposta à luz dessas teorias tratadas até aqui.

As buscas pelo grupo eram constantemente servidas por helicópteros civis e militares e aviões civis da aviação
de pequeno porte; durante dois meses e meio, centenas de pessoas foram abastecidas de combustível, alimentação,
meios de uso habitual e aparatos técnicos essenciais às expensas do Estado. Na foto: os pilotos de helicópteros,
no centro, o coronel Gueorgui Ortyukov, à sua esquerda, o jornalista Gennadi Grigoryev.

Bolas de fogo perto da Montanha dos Mortos

Esta versão tem muitos adeptos. Como o ocorrido com o grupo de Dyátlov não pode ser explicado com a lógica comum, por conseguinte, entra no caso a lógica de uma ordem diferente. Ela exige certa abertura de espírito e do reconhecimento de que este mundo é bastante complexo, e nem tudo nele pode ser entendido e identificado com os padrões mentais assimilados na infância, ou explicado pelas leis de Newton, descobertas ainda no início do século XVIII. Essa versão também exige atenção aos detalhes, os quais possam se perder facilmente, se o observador não olhar para o caso de uma forma não preconcebida.

Vamos examinar esta versão com mais detalhes. Por quê?

Porque, apesar do caráter muito vago da conclusão sobre a “força maior insuperável”, feita, como vimos, sob forte pressão dos chefes locais do Partido, os juízes de instrução Vladímir Korotáyev e Lev Ivanov acreditavam que na morte dos turistas estavam envolvidas precisamente as tais “bolas de fogo”. E eles eram pessoas que na época tinham informações mais amplas sobre o trágico episódio.

Vladímir Korotáyev (como sabemos, foi precisamente ele, que no mesmo início da investigação começou a reunir provas referentes às “bolas de fogo”, mas foi impedido pelas autoridades): “Minha conclusão sobre o perecimento do grupo de Dyátlov é única: foram mortos pela explosão de algum projétil, que caiu do céu (pode-se dizer, bola ou OVNI). Porque, julgando pela natureza dos seus traumas, eles foram elevados para o alto e jogados, golpeados contra o chão...”.

Lev Ivanov, que conduziu a investigação posterior e encerrou o caso, declarou, “Em maio, junto com E. P. Máslennikov, inspecionamos as imediações da cena do incidente (na área do barranco e o cedro), constatando que algumas das píceas novas na borda da floresta têm marcas de queimadura, mas tais traços não possuíam forma concêntrica ou outro qualquer sistema, nem tiveram um epicentro. Isso confirmava que teria sido dirigida alguma espécie de raio de calor ou de uma energia forte, mas completamente desconhecida (pelo menos, para nós), atuando seletivamente: a neve não foi fundida, as árvores não foram danificadas. Estava-se formando a impressão de que, quando os turistas, em seus pés, desceram para baixo da montanha, alguém acabou com alguns deles de uma forma intencional... (...) Foi-me proposto, no obkom [comitê partidário regional] para não desenvolver este tema. Tomou nas suas mãos a direção da investigação sobre o meu caso, o segundo secretário do obkom do partido, A. F. Yeshtokin”.

Lev Ivanov (à direita), realizando a investigação no local do incidente.

Também os parentes das vítimas estiveram preocupados com o assunto das tais “bolas de fogo”.

Rimma Kolevátova (irmã de Aleksandr Kolevátov) escreveu em um comunicado dirigido para o promotor da Óblast de Sverdlovsk: “Eu tive que participar do enterro de cada um dos turistas perecidos. Por que eles tinham as mãos e as faces tão marrons, com uma coloração escura? Como pode ser explicado o fato de que os quatro que estavam perto da fogueira e, segundo todas as versões, permaneceram vivos, não fizeram tentativa alguma de voltar para a tenda? Se eles estavam muito melhor vestidos, se esse foi um desastre natural, é claro que, após terem passado um tempo perto da fogueira, os jovens certamente teriam se arrastado para a tenda. O grupo não poderia perecer na sua totalidade pela tempestade de neve. Por que eles estavam correndo tão freneticamente para fora da tenda?

Um grupo de turistas da Faculdade de Geografia do Instituto Pedagógico, que se encontrava no monte Tchistóp, a sudeste, segundo suas palavras, avistou naqueles dias, no início de fevereiro, uma certa bola de fogo na área de Otortén. As mesmas bolas de fogo foram também registradas depois. Qual é a sua origem? Não poderiam ser a causa do perecimento dos jovens? Afinal, no grupo estavam reunidas pessoas resistentes e experientes.

Dyátlov já estava visitando esta área pela terceira vez. Lyuda Dubínina dirigiu por si mesma um grupo para o monte Tchistóp no inverno de 1958, vários dos jovens (Kolevátov, Dubínina, Doroshênko) participaram das caminhadas para os Montes Sayan. Eles não poderiam perecer apenas por causa de uma tempestade”.

Testemunhou o pai de Yuri Krivoníschenko (interrogatório de 14 de março de 1959, sublinhado nosso): “Após o enterro do meu filho, visitaram o meu apartamento (...) os estudantes, participantes das buscas (...) dos companheiros perecidos. Entre eles, também estavam aqueles estudantes que no final de janeiro e início de fevereiro encontravam-se na caminhada do Norte, na área do monte Otortén. Aparentemente, haveria não menos que dois tais grupos, pelo menos, os integrantes de dois grupos relatavam de que tinham observado na noite do 1º de fevereiro de 1959, um fenômeno luminoso, para o norte da localização desses grupos: era uma luminescência extremamente forte de um foguete ou projétil. O brilho foi tão forte, que um dos grupos, estando já na tenda e preparando-se para dormir, foi perturbado por ele e saiu da tenda, chegando a observar este fenômeno (...). Depois de um tempo (...) eles ouviram um efeito sonoro, como um grande trovão de longe (...). Os estudantes (...) observaram o tal fenômeno por duas vezes: no primeiro e no sétimo dia de fevereiro de 1959”.

A investigação estava recopilando ativamente os dados sobre as “bolas de fogo”. No inquérito criminal sobre o perecimento do grupo de Ígor Dyátlov, os relatórios sobre o fenômeno foram protocolizados e arquivados, ainda que posteriormente não foi levada a cabo a investigação nesta direção. Eis aqui, detalhes de alguns destes relatórios.

Gueorgui Atmanaki (jovem engenheiro, membro do grupo de Vladislav Karélin, que também estava em caminhada pelo Ural do Norte, participante das buscas pelo grupo de Dyátlov, citado por nós na Parte 2) prestou o seguinte relato:

"Em 17 de fevereiro, eu e Vladímir Shevkunov levantamo-nos às 6:00 da manhã para preparar o pequeno almoço para o grupo. Acendendo a fogueira e fazendo todo o necessário, começamos a esperar que comida estivesse pronta. O céu estava sombrio, não havia nuvens, mas uma leve névoa, que normalmente é dissipada ao nascer do sol. Sentado com o rosto para o norte e virando casualmente a cabeça para o leste, vi que no céu (...) derramou-se um borrão de cor branca leitosa, de aproximadamente 5 ou 6 diâmetros lunares e composta de uma série de círculos concêntricos. A sua forma lembrava a de um halo que forma-se ao redor da lua durante o tempo claro e gelado.

Fiz um comentário ao meu parceiro, no sentido de eis como a lua ficou decorada. Ele pensou por um momento e disse que, primeiro, não há lua e, além disso, ela deve estar no lado oposto. A partir do momento quando tínhamos observado este fenômeno, se passaram 1 ou 2 minutos; eu não sei quanto tempo teria durado anteriormente, nem como tinha aparentado originalmente. Neste momento, no centro deste borrão, brilhou uma estrelinha, que durante alguns segundos mantinha o mesmo tamanho, mas logo começou a aumentar drasticamente de tamanho e se mover rapidamente na direção oeste. Em poucos segundos, ela tinha crescido ao tamanho da lua, e em seguida, quebrando a cortina de fumaça, ou as nuvens, apareceu como um enorme disco flamejante de cor leitosa, de tamanho de 2 ou 2,5 diâmetros lunares, cercado pelos mesmos aneis de cor pálida. Depois, mantendo-se no mesmo tamanho, a bola começou a desbotar, até que se fundiu com o halo circundante, o qual, por sua vez, espalhou-se pelo céu e extinguiu-se.

Começava o romper do dia. O relógio mostrava 6:57, o fenômeno não durava mais do que um minuto e meio, e causou uma impressão nada leve. Inicialmente, não prestamos atenção nele, mas logo, quando apareceu o próprio disco brilhante, ficamos espantados. Pessoalmente, eu tive a impressão de que em nossa direção estava caindo um corpo celeste, e então, quando tinha crescido até tão enorme tamanho, atravessou-me o cérebro o pensamento de que um outro planeta estava entrando em contato com a Terra, que agora seguiria uma colisão e não ficaria nada do mundo terrestre. Já estávamos acordados por mais de uma hora, de modo que fomos capazes de afastar o sono e não dar crédito às alucinações, mas durante todo o ocorrido ficamos de pé, como que hipnotizados...

Eu não sei como Karélin, qual um raio, conseguiu pular para fora do saco de dormir e correu para fora, vestindo as meias e a roupa interior. Ele conseguiu avistar o disco, que estava perdendo os contornos, e o borrão claro espalhando-se pelo céu. Posteriormente, eu tive que falar muito com as testemunhas, e a maioria descreve este caso aproximadamente da mesma maneira, acrescentando que a luz era tão forte que as pessoas em casas acordavam do sono. (...). Protocolo escrito com a minha própria mão. G. Atmanaki”.

Nota do jornal “Тагильский рабочий” (“Operário do Taguíl”), de 18 de fevereiro de 1959. Naqueles dias, a palavra “OVNI” (“Objeto Voador Não Identificado”) ainda era desconhecida dos cidadãos soviéticos, de modo que a nota foi intitulada simplesmente: “Um fenômeno celestial incomum”.

Às 6 horas e 55 minutos de ontem, hora local, no leste-sudeste, a uma altura de 20 graus do horizonte apareceu uma brilhante bola do tamanho do diâmetro aparente da lua, — escreveu A. Kissel, vice-chefe de comunicações da mina Vysokogorsky. A bola estava se movendo na direção nordeste.

Cerca das 7 horas, dentro dela, ocorreu um flash, chegando a ser visível o núcleo muito brilhante da bola. Ela própria começou a brilhar mais intensamente, aparecendo perto dela uma nuvem luminosa, curvada na direção do sul. A nuvem estava se expandindo para toda a parte oriental do céu. Logo depois, houve um segundo flash, teve a forma da crescente. Gradualmente, a nuvem aumentava em tamanho; no centro, ficava o ponto luminoso (o brilho era de tamanho variável). A bola estava se movendo em direção leste-nordeste. A maior altura acima do horizonte, 30 graus, foi alcançada em cerca das 7:05. Continuando o movimento, este fenômeno incomum estava se enfraquecendo e desgastando.

Pensando que este estaria conectado de alguma forma com o satélite, troquei o receptor, mas não havia recepção dos sinais”.

Por esta publicação, o editor recebeu uma repreensão, e a nota foi arquivada entre a papelada de um dos processos criminais mais insólitos que já se passou na Rússia. Nele, foram cuidadosamente arquivados também outros relatórios sobre o referido “fenômeno”.

Tókareva, técnica em meteorologia, na sua declaração ao chefe da seção distrital da milícia em Ivdel, declarou: “Em 17 de fevereiro, às 6:50, hora local, apareceu no céu um fenômeno incomum: movimento de uma estrela com uma cauda que se assemelhava a cirros densos. Depois, essa estrela livrou-se da cauda, tornando-se mais brilhante que as estrelas e voou, como se começando a se inchar gradualmente, até se formar uma grande bola, envolta em uma névoa. Depois, no interior desta bola, acendeu-se uma estrela, a partir da qual se formou uma crescente, e logo, uma pequena bola, não tão brilhante. A bola grande começou gradualmente a se desvanecer, tornando-se como um borrão. Às 07:05 desapareceu por completo. A estrela estava se movendo do sul para o nordeste”.

Os soldados de Ivdel’lag, enquanto no serviço, avistaram a mesma coisa.

A. Savkin, militar:

Do lado sul apareceu uma bola de cor branca brilhante, às vezes encobrindo-se do nevoeiro; por dentro, havia um brilhante ponto-estrela. Ia para o norte, foi visível por uns 8-10 minutos”.

Outro militar, Anatoli Anísimov, foi interrogado dois meses depois pelo promotor da cidade de Ivdel:

Em 17 de fevereiro (...) eu estava no posto. Naquele momento, do lado sul apareceu uma bola de tamanho grande, envolta num grande círculo de nevoeiro branco. Ao se mover pelo céu, a bola ora aumentava, ora diminuía o seu brilho. Ao se reduzir, a bola desaparecia no nevoeiro branco, sendo que, através dessa neblina era visível apenas o seu ponto luminoso. Este ponto, luzindo periodicamente, aumentava o seu brilho, aumentando também de tamanho. Com o aumento no brilho do ponto luminoso, que tomava a forma de uma bola, ele parecia estar empurrando a névoa branca, aumentando, ao mesmo tempo, a densidade desta pelas bordas, e depois, ele mesmo escondia-se na névoa. Formava-se a impressão de que a própria bola estava emitindo essa neblina branca, que havia tomado a forma de um círculo. A bola estava se movendo muito lentamente e em grande altitude. Era visível por cerca de 10 minutos, e depois, desapareceu na direção norte, como se tivesse derretido ao longe”.

A dezenas de quilômetros de Ivdel, Gueorgui Skorykh, morador da aldeia Karaúl, do raión (distrito) de Novolyalinsk, foi despertado pelo grito de sua mulher: “Olha, uma bola está voando e dando voltas!”.

Skorykh saltou para a varanda e viu “um sol brilhante no nevoeiro”. A referida bola estava se movendo em linha reta, estritamente do sul para o norte, e sua cor mudava de vermelho para verde. A alternação das cores ocorria periodicamente, o objeto não identificado estava envolto em um invólucro branco. A bola estava se afastando rapidamente e em segundos desapareceu no horizonte. Na opinião de Skorykh, a bola estava voando ao longo da Cordilheira dos Urais, a uma distância muito grande.

Em 31 de março, o “fenômeno” se repetiu, este caso é descrito em detalhes na Parte 3 desse nosso presente trabalho.

Vamos recordar brevemente, citando aqui o radiograma que os socorristas enviaram para Sverdlovsk.

Á Prodanov, Vishnevsky.

31.03.59, 9:30, hora local.

Em 31.03, às 4:00, na direção sudeste, o plantonista Meshcheryakov notou um grande anel de fogo, que estava por durante 20 minutos se movendo para a nossa direção, escondendo-se depois por trás da elevação ‘880’. Antes de desaparecer no horizonte, a partir do centro do anel apareceu uma estrela, que foi gradualmente aumentando para o tamanho da lua e começou a cair para baixo, separando-se do anel. O fenômeno incomum foi observado por muitas pessoas, levantadas pelo alarme. Pedimos para explicar esse fenômeno e sobre a sua segurança, pois, nas nossas condições, está gerando uma impressão preocupante. Avenburg, Potápov, Sógrin”.

Oleg Shtrauch, membro efetivo da Sociedade Geográfica da URSS, morador da vila Polunótchnoye, do raión de Ivdel, anotou a sua observação no diário: “31.03.59. Às 4 horas 10 minutos foi observado o seguinte fenômeno: do sul-oeste para o nordeste, sobre a vila passou com bastante rapidez um luminoso corpo esférico. O disco luminoso, do tamanho de uma lua quase cheia, de cor branca azulada, estava cercado por um grande halo azulado. Às vezes, esse halo acendia-se com brilho, recordando os flashes distantes de um raio. Quando o corpo desapareceu no horizonte, o céu neste lugar ainda estava iluminado pela luz durante alguns minutos.

Um fenômeno similar foi observado pelos moradores de Polunótchnoye em 17.02.59, às 7 horas 10 minutos. Durante a manhã, atrás do rastro luminoso ficava um rastro em forma de fumaça...”.

Resumindo todo o exposto, podemos dizer que, no período de 1º de fevereiro de 1959 a 31 de março de 1959, na área do perecimento do grupo de Dyátlov, bem como nas áreas imediatamente adjacentes a esta — sobre as elevações “880” e “1079”, na Cordilheira dos Urais, o Ural Polar, o raión de Ivdel da Óblast de Sverdlovsk, — ocorreram fenômenos, acompanhados por efeitos luminosos e sonoros, que foram observados visualmente pelas testemunhas, em 1º e 17 de fevereiro e 31 de março de 1959.

Assim, podemos concluir que muitas pessoas tinham razões para conceber esse estranho fenômeno das “bolas de fogo”, como a principal causa do perecimento dos dyátlovtsy.

Mas, se a “Força Insuperável” seria uma das bolas de fogo, onde estariam as provas disso? Será que esta “Força” deixou alguns traços da sua presença e impacto sobre os turistas?

Acontece que, de fato, deixou-as. Tanto no local do incidente, como sobre os corpos dos perecidos.
                                                                                   
Traços no local do incidente

1) Presença de uma fonte de calor.

Boletim meteorológico para o raión de Ivdel:

“Na noite de 1º. de fevereiro de 1959, a temperatura do ar caiu quase duas vezes em comparação com a manhã, chegando aos -20, -21º C. Em comparação com os valores da manhã, a umidade do ar foi baixa, de 56%, a visibilidade foi de 8 pontos (em média). As precipitações caíram menos que 0,5 mm. Vento norte-noroeste 1,3 m/seg. Nevascas, furacões ou tempestades não foram observados”.

Nas encostas da Montanha dos Mortos, a temperatura, obviamente, foi muito menor, devido à altura e ao vento. Com alto grau de certeza podemos adicionar aqui de cinco a sete graus, o que significa que a temperatura na tenda dos dyátlovtsy aproximava-se de 30 graus negativos. Nas condições de um frio forte, a umidade é baixa (o valor indicado é de 56 por cento), e a neve, seca e em pó. Não deveria haver gelo de forma alguma.

Mas o que vemos?

- Perto da entrada para a tenda, havia uma nódoa de gelo em forma de “costelas” afiadas e paralelas (tais formações geladas são chamadas internacionalmente de sastrúgui, que é o termo de origem russa). Os socorristas imediatamente prestaram atenção para esta ilhota de gelo, com um diâmetro de aproximadamente quatro metros. O gelo era muito forte, com nervuras, como se estivesse congelando em forma de ondas; de modo que sobre estas “costelas” afiadas quebravam-se facilmente os blocos de neve lançados pelos socorristas, quando estavam à procura dos corpos perto da tenda.

Local do incidente. De costas, está o promotor Vassili Tempalov e Evgueni Máslennikov. O retângulo azul indica o lugar da
instalação da tenda; o oval rosa mostra os limites da nódoa gelada perto da entrada da tenda; a linha verde mostra a rota
da fuga a partir da tenda até o cedro; 1 - tenda dobrada; 2 - mochilas e esquis dos dyátlovtsy; 3 - nódoa gelada, 4 – cedro.

Detalhe da misteriosa nódoa gelada perto da entrada da tenda (imagem ampliada).

De onde foi que surgiu esta nódoa gelada? Qual foi a fonte de calor que a criou?

Além desta nódoa gelada, a algumas dezenas de metros em torno da tenda, a neve foi coberta com uma dura crosta de gelo. Os estudantes Slobtsov e Sharávin, que encontraram a tenda, não puderam se aproximar dela em esquis! Do vale do Áuspiya, sem dificuldade alguma, passaram com esquis por toda a encosta, mas perto da tenda dos dyátlovtsy tiveram que tirar os esquis e caminhar as últimas dezenas de metros a pé, servindo-se das varetas para se escorar. Para formar essa crosta de gelo, foi necessária também uma fonte de calor para derreter a neve, a qual se congelou posteriormente no forte frio. Mas os próprios dyátlovtsy, no dia 1º de fevereiro, aproximaram-se do lugar para instalação da tenda precisamente nos esquis, quando então, este lugar ainda não tinha sofrido qualquer impacto externo. Na foto da instalação da tenda, vemos uma neve bastante seca e em pó.

- As coisas pequenas, perdidas pelos turistas e encontradas ao longo de 20 metros da tenda, enquanto fugiam desta, não foram espalhadas pelos ventos durante as quatro semanas; no entanto, o monte Kholat Syakhyl é conhecido pelos seus ventos fortes. Perto da tenda, a uma distância de meio a um metro, foram atirados chinelos de diferentes pares, chapéus, e outras peças pequenas; a uma distância de 10 a 15 metros da tenda estavam a jaqueta, jaqueta impermeável, chinelos, meias e outras peças. Isto só pôde ter ocorrido porque essas coisas caíram primeiramente na neve molhada que, posteriormente, se congelou, prendendo as peças de roupas. Seria lógico se os turistas pegassem todas essas coisas, como eles estavam muito mal vestidos. Mas não o fizeram porque, num frio atroz, peças de roupas molhadas são inúteis.

- As pegadas do grupo, em forma de colunas, que se conservaram por um mês, poderiam se formar apenas a uma temperatura de zero grau ou superior, porque, na ausência de água na sua camada superficial, tais pegadas teriam desaparecido muito rapidamente sob a influência do vento. Como prova disso, pode servir o experimento do grupo de Sergei Semyáshkin, que empreendeu uma corrida pelo caminho dos dyátlovtsy a partir da tenda para o cedro (ainda que calçados) em fevereiro de 2010. Depois deles, não ficou sequer uma pegada.

As pegadas em forma de colunas dos dyátlovtsy, encontradas perto da tenda e indo para baixo. Estas não
aparecem em todo o trajeto, sendo que em outros lugares são substituídas pelas pegadas-depressões normais.
Isto significa que, no momento em que o grupo as imprimiu, a neve estava sendo aquecida localmente.

Detalhe das pegadas gravadas na neve.
  
A questão é: por quê? Resposta: não houve uma “fonte de calor”, e a neve não se comprimiu. Mesmo em fevereiro e março de 1959, os socorristas na montanha não deixaram uma só pegada de tal tipo. A razão disso é obvia: tanto durante as buscas pelo grupo de Dyátlov em 1959, como durante o experimento de Semyáshkin, em 2010, não houve um aquecimento local da neve, como o que estava claramente presente durante a fuga dos dyátlovtsy.

- O gelo nos cabelos dos mortos. Foi observado pelo jornalista Grigoryev, que se encontrava no aeroporto de Ivdel quando estavam descarregando os corpos dos primeiros turistas encontrados (veja na Parte 2 desse trabalho): “Descarregam os cadáveres. Todos cobertos de neve. Gelo no cabelo”.

- A enorme camada de neve congelada, debaixo da qual, no fundo do barranco, foram enterrados os últimos quatro turistas, era tão forte que teve que ser picada com picaretas e pás de sapadores. Nas condições naturais, uma camada de neve de quatro metros de espessura jamais poderia cobri-los: não houve tempo suficiente, nem nevadas tão fortes para produzir tanta neve.

O barranco, em foto tomada durante as buscas pelos últimos quatro turistas (maio de 1959).
As grandes massas de neve já estavam molhadas, mas, em 1º de fevereiro, a neve estava seca.

A massa de neve unicamente poderia se deslizar sobre eles a partir das encostas do barranco. E tal massa de neve poderia se deslizar para baixo somente se estivesse molhada, já que a neve molhada é muito pesada. Mas, nas condições meteorológicas em 1º de fevereiro, a neve não poderia ficar molhada em nenhum caso. A não ser, claro, que houve alguma potente fonte de calor. Depois, sob a influência de um frio intenso, essa enorme camada de neve sobre os corpos dos turistas tornou-se um monólito. E foi precisamente nesse lugar, perto do barranco e o cedro, que Lev Ivanov e Evgueni Máslennikov encontraram píceas com os cumes queimados.

2) Presença de uma fonte de luz.

- O lugar em que estalou o drama, aparentemente, estava brilhantemente iluminado. Perto da tenda, os turistas atiraram a lanterninha, usada por aqueles que estavam fora no “momento X”. Depois, durante a descida para a floresta, na área da terceira linha de pedras (cerca de 400 metros da tenda), eles deixaram cair ou atiraram a segunda lanterninha. Como foi observado na Parte 3 desse trabalho, àquela altura já estava completamente escuro e não havia lua. Apesar disso, nenhum deles caiu, pois não há sinais de quedas sobre a neve, nem lesões típicas de quedas nas montanhas; no entanto, a encosta pela qual estavam caminhando, não era nada plana, sendo que era toda cortada por “fluxos” de pedras, o chamado kurúmnik. Então, as pessoas estavam vendoonde colocar os seus pés. Consequentemente, a área foi brilhantemente iluminada.

Montes de kurúmnik na encosta de Kholat Syakhyl. Em 1º de fevereiro,
estavam cobertas de massas de neve de variadas espessuras.

- Eles foram para a floresta em fileira, apesar de que, nas condições de escuridão, seria mais fácil andar em cadeia, um após o outro. Em frente, caminhava aquele que estava calçado, seguido pelos outros, pegada em pegada. Mas, todavia, por que em fileira? Encontrando-se alinhados em fileira, eles eram capazes de ver uns aos outros! Então, o lugar estaria iluminado, apesar da ausência da lua. Inclusive, essa formação constatada demonstra um medo instintivo perante a espera de um ataque por trás. Normalmente, ao se encontrar com animais perigosos, as pessoas, instintivamente, retrocedem ou fogem mais precisamente em fileira ou em leque, mas, em qualquer caso, não em linha. Portanto, o “Algo” que expulsou os turistas da tenda, poderia também atacar por trás, mas ninguém sabia quais eram as suas intenções – o que novamente prova que esse “Algo” não era de natureza humana, pois as intenções de qualquer grupo humano hostil se tornariam imediatamente evidentes para os turistas. Além disso, esse “Algo” possuía velocidade e poder (o que já foi comprovado pelos turistas), ou seja, poderia atacar inesperadamente por trás.

Foto tirada em 1959 pelos socorristas durante a lua cheia. A lua está atrás do fotógrafo. Da mesma forma,
poderia estar assim iluminado o local do incidente naquela noite sem lua que, em vez do astro, havia um objeto. A faixa
branca no lado direito da encosta é uma ampla escavação, feita pelos socorristas na sequência das pegadas dos turistas.

- Os três que estavam se arrastando até a tenda, estavam vendo-a a uma distância de 1,5 quilômetros, dirigindo-se a ela exatamente em linha reta. Apesar de não ser possível avistar a tenda a tal distância numa noite sem lua.

- Os dois Yúras (Yúra Doroshenko e Yúra Krivoníshenko), que encontrando-se em cima do cedro, seriam capazes de observar a tenda unicamente sob a condição da iluminação da área. Aliás, esta “janela” aberta entre os ramos do cedro, que eles montaram para a vigilância, ainda existe até hoje.

O cedro utilizado por Doroshenko e Krivoníshenko em 1959 e o mesmo cedro, em 2011.

3) Aves mortas.

Os socorristas notaram um grande número de aves mortas, principalmente, os lagópodes brancos, na área da floresta, onde estavam se escondendo os turistas: nas cercanias do cedro e do barranco. Consequentemente teria ocorrido o impacto de uma força mortal aos organismos vivos.

Os socorristas, 1959. O homem no centro leva dois lagópodes brancos.

4) Cumes queimados das píceas: segundo afirmava Lev Ivanov, tratava-se de “ação dirigida” por parte de alguma fonte de energia desconhecida.

5) Presença de poeira radioativa, proveniente de uma fonte desconhecida, sobre algumas peças de roupas. Infelizmente, o juiz de instrução não pensou em enviar para o exame radiológico a roupa dos primeiros cinco turistas encontrados. Como foi dito pelo perito que fez a análise radiológica, a contaminação por poeira radioativa poderia ter ocorrido em três oportunidades: a partir da sua queda da atmosfera; como resultado do trabalho com esse tipo de substâncias; ou “a partir do contato”.

6) Comportamento dos turistas como evidência indireta.

O comportamento dos turistas mostra que a Força Insuperável, que expulsou às pessoas para fora da tenda, além do fato de que ela teria de ser mortal, também deveria ser de longa duração. Não houve quaisquer fenômenos passageiros (explosão, avalanche, meteorito, foguete...), por mais perigosos que estes pudessem ter sido. Seria uma tolice fugir no frio atroz para fora da tenda, despidos e descalços, se a circunstância da qual você tenta se salvar, não existe mais.

Depoimento de Serguei Sógrin (estudante do UPI em 1959, turista, liderou uma das equipes de busca; sublinhado nosso):

“As pessoas deixaram a tenda rapidamente, através das incisões feitas nela, sob a influência de algum espanto muito forte e um medo que estava os perseguindo durante um tempo relativamente longo, uma vez que não conseguiram ‘voltar a si’ nos primeiros minutos da fuga e acabaram indo muito longe pela encosta abaixo”.

Portanto, quaisquer circunstâncias, por mais terríveis que fossem, desde que não tivessem uma longa duração, dificilmente algo poderiam ser a causa da fuga da tenda. Unicamente, o pânico, surgido repentinamente perante algum fenômeno, junto com a consciência de uma real ameaça mortal, obrigou às pessoas a abandonarem não apenas a tenda, mas toda a área onde este “Algo” se encontrava, movendo-se a uma distância considerável.

A lógica exigiu que os turistas tomassem a direção à direita da tenda, rumo ao labáz, onde se encontrava estocada uma parte das roupas e mantimentos, como também um par de esquis reservas. Mas, contrariamente a isto, eles seguiram mais para a esquerda e para baixo. Podendo supor que o caminho para o labáz teria sido bloqueado pela Força Insuperável.

O tempo da duração do fator perigoso pode ser calculado como o que é necessário para um grupo de pessoas semi-vestidas e descalças descerem caminhando pela neve a partir da tenda até a borda da floresta, percorrendo aproximadamente 1,5 km, acrescido do tempo para aquilo o que foram capazes de fazer antes de serem mortos: acender a fogueira e construir o revestimento para se protegerem no barranco. Depois, a Força Insuperável alcançou-os por baixo, para então, acabar com eles.

Traços sobre os corpos

1) Faltou a “posição de congelamento”.

Sobre as posições reais das vítimas, podemos julgar apenas pelos três primeiros corpos: os de Dyátlov, Kolmogórova e Slobodín. Os corpos dos dois rapazes do cedro, Krivoníschenko e Doroshenko, foram removidos posteriormente pelos últimos quatro do grupo, que retiraram-lhes algumas peças de roupas para usá-las e colocaram os seus corpos perto da fogueira. Os últimos quatro foram revolvidos, certamente, pelo peso da grossa camada de neve da beira do barranco que escorregou sobre eles.

Mas os três primeiros ficaram exatamente nas mesmas posições, em que foram atingidos pela Força Insuperável. Essas posições sugerem que, ao se congelar até a morte, eles já não sentiam o frio. Nos casos da morte por congelamento, a chamada “posição de congelamento” não está presente apenas nos bêbados caídos, ou nos inconscientes. A perícia não encontrou álcool no sangue dos dyátlovtsy, portanto, a falta de “posição de congelamento” nos corpos significa que estavam inconscientes quando faleceram. Como observamos na Parte 2 desse trabalho, quatro turistas (Dyátlov, Kolmogórova, Slobodín e Doroshenko) tinham sangramento do nariz ou da garganta e, além disso, Slobodín tinha no crânio uma fenda de origem inexplicável. Tudo isto, obviamente, encontra-se ligado a perda de consciência e a um agressivo impacto externo.

É especialmente típica a “posição de pugilista” a que se encontrava o corpo de Dyátlov: encolhendo as costas e com ambas as mãos na frente do peito, apertadas em punhos (veja foto mostrada na Parte 2). De acordo com o manual da medicina forense, tal posição surge no morto “como resultado da coagulação térmica de proteínas musculares pela ação das temperaturas extremamente altas” (sublinhado nosso).

O corpo de Ígor Dyátlov na “posição de pugilista”. Chama a atenção a roupa aberta no peito, como se Dyátlov
estivesse sentindo muito calor, num drástico contraste com a temperatura ambiente de 25 a 30 graus abaixo de zero.
Algumas das outras vítimas também tiveram as roupas desabotoadas.
                                                                                                            
2) Afecção da pele com irradiação.

- Em todos os laudos da perícia foi anotada a mudança de cor da pele, que tornou-se “vermelha azulada”. O pai de Lyuda Dubínina observou “(...) uma nítida diferença de cor entre as áreas dos corpos dos perecidos: as áreas expostas, de cor preta azul roxa, e as cobertas com roupa, de cor branca...”, enquanto Karélin menciona uma cor “escura roxa bronze”; outros falavam de uma cor “laranja”; Rimma Kolevátova, de uma cor “vermelha tijolo”; e o irmão de Slobodín comparou a cor da pele dos perecidos com a dos “negros”.

- Em todos os laudos da perícia também foram anotadas as múltiplas escoriações, cobertas por uma crosta da “densidade de pergaminho”. Tais escoriações estiveram presentes em todas as áreas expostas: nariz, bochechas, pálpebras, mãos. Particularmente, a ponta do nariz de todas as vítimas tinha uma cor marrom escura.

Os turistas e montanhistas experientes prestaram atenção a esses detalhes, observando que tais traumas são totalmente atípicos para o seu esporte.

Mas, em contrapartida, esses traumas, como também a mudança de cor da pele, são alterações típicas de efeitos radioativos.

Vladímir Púdov, companheiro universitário de Dyátlov, agora um cientista respeitado e autor de muitos livros,  escreveu em 2010, em suas memórias:

“Estava parado durante 10 minutos perante o ataúde de Ígor, olhando para o seu rosto. Mesmo na máscara de morte da sua face congelada era visível um perfeito bronzeado. Um bronzeado que pode ser obtido ora no sul ensolarado, ora perto de um reator atômico mal protegido”.
  
Queimaduras sobre a face do cadáver de Zina Kolmogórova e sobre a face e as mãos do cadáver de Ígor Dyátlov.
As fotos foram tiradas antes da autópsia.

Voltemo-nos ao prontuário médico:

“As afecções cutâneas agudas por radiação são o resultado da exposição dos tecidos à irradiação durante um curto período de tempo.

Existem quatro graus de queimaduras por irradiação. As afecções do quarto grau são extremamente raras.

O primeiro grau é caracterizado por vermelhidão e secagem da epiderme, descamação da camada superior da pele.

Segundo grau: aos dos sintomas expostos acima, adiciona-se a edemacia, e a superfície da afecção, em vez de seca, torna-se molhada, (durante vinte e quatro horas, cobre-se de crostas, sendo que no cadáver isso ocorre devido à secura).

No terceiro grau, a pele é coberta de chagas, áreas de necrose. São afetadas também as camadas mais profundas do tecido.

O quarto grau é caracterizado pela carbonização dos tecidos, a destruição das glândulas sebáceas e sudoríparas e dos folículos pilosos. Em alguns lugares, a pele cobre-se de bolhas”.

Aparentemente, os primeiros cinco turistas receberam queimaduras, pelo menos, de segundo grau, e Krivoníschenko, de quarto, como a perícia observou nele, queimaduras na perna esquerda e braço esquerdo até a carbonização; Doroshenko tinha o cabelo queimado na região da têmpora direita, região temporo-parietal e occipital. Como poderia Krivoníschenko receber tais queimaduras nestes lugares: pernas, pés e mão? Evidentemente, ele não meteu a mão e o pé na fogueira. Mas sabemos que ele e Doroshenko tinham que escalar o tronco bastante grosso do cedro. Imagine um homem segurando um grosso tronco com braços e pernas: precisamente o braço esquerdo e a perna esquerda estariam de um mesmo lado do tronco, sobre o qual, provavelmente, teria sido alvo de uma forte irradiação.

Mão carbonizada do cadáver de Gueorgui Krivoníshenko,
queimadura sobre a orelha esquerda do cadáver de Yuri Doroshenko.

Queimaduras no nariz e na orelha de Doroshenko; espuma ressequida na bochecha.

- Como evidência de algum impacto por irradiação pode servir a roupa dos quatro últimos dyátlovtsy, que traziam uma estranha coloração regular roxa clara. Para ocorrer tal descoramento das roupas de maneira uniforme, é preciso haver uma fonte muito forte de irradiação.

Lamentavelmente, todos esses detalhes foram negligenciados pela investigação. Alguns fatos foram observados no exame, mas sem qualquer explicação. O exame radiológico não foi feito para as primeiras vítimas. Dos quatro últimos que tinham permanecido durante três meses no riacho, foram tomados para análise os tecidos de órgãos internos, mas nada foi encontrado. Isto é natural, desde que a radiação beta, que foi detectada sobre as roupas desses turistas, afeta apenas os tecidos superficiais, e a capacidade de penetração das partículas beta não é mais do que de alguns milímetros. Além disso, a água corrente lavou a maior parte dessas partículas.

3) Sintomas do impacto de compressão.

Que tipo de lesões são comumente recebidas pelos turistas nas montanhas, durante a descida das encostas?

Na maioria dos casos, são observadas a partir das quedas, lesões das extremidades superiores e inferiores (65%), seguidas pelas lesões na cabeça (22%), lesões no peito, abdômen e pélvis (3%), como também uma combinação de lesões (10%).

No nosso caso, Thibeaux-Brignoles e Slobodín receberam graves traumas cranianos, Dubínina e Zolotaryov, complexos traumas peitorais. Em comparação com as estatísticas, temos 50% das lesões na cabeça (em vez de 22%) e 50% das lesões do peito (em vez de 3%). Ninguém teve lesões na parte inferior do corpo ou teve as extremidades fraturadas.

Lembremo-nos dos terríveis traumas internos de Thibeaux, Zolotaryov e Dubínina; a este grupo, une-se também Slobodín, com a sua misteriosa fenda no crânio, decorrente do impacto de uma força desconhecida. Não devemos nos esquecer que ninguém tinha traços de lesões externas.

Lembremo-nos também das palavras do perito Vozrozhdiônny, de que esses traumas ocorreram como resultado do “impacto de uma grande força”, comparável com o golpe de um veículo a uma alta velocidade (o que em si, já exclui o fator humano como causa dos traumas). Outra comparação que usou o perito: “parece uma onda de explosão”.

Qual é o efeito produzido por uma onda de explosão sobre o ser humano?

Um dos seus principais fatores constatados foi o golpe do ar comprimido, um aumento súbito e, em seguida, uma drástica queda na pressão atmosférica (barotrauma). 

A sintomatologia das afecções pode ser muito variada e depende principalmente da intensidade do impacto da onda de explosão. Com uma pressão redundante desenvolvem-se formas muito graves de afecção fatal. Nestes casos, trata-se geralmente das afecções dos centros vitais do cérebro com a fratura da base do crânio e o sangramento do nariz, os ouvidos e a boca. As formas graves de afecção (contusão) são acompanhadas da perda prolongada de consciência, convulsões, danificações dos pulmões e órgãos do abdômen, sangramento do nariz e os ouvidos, defecação e urinação involuntárias. Com o impacto da onda de explosão, são afetados mais frequentemente os pulmões, o coração, o estômago, o intestino e o fígado. A afecção dos pulmões é o resultado da traumatização externa e através das vias respiratórias”.

Muitos dos sintomas de barotrauma são evidentes nos turistas:

perda de consciência (contusão) nos congelados (razão pela qual não está presente a “posição fetal”);

- possíveis convulsões em Kolmogórova e Slobodín (o perito considerou que alguns dos arranhões e escoriações foram recebidos por eles em estado de agonia);

sangramento bucal em Dyátlov, epistaxe em Slobodín e Kolmogórova, sanque coagulado na região do dorso nasal, na ponta do nariz e o lábio superior de Doroshenko;

edemacia de lábios e bochechas nos primeiros cinco turistas;

fenda no crânio de Slobodín, fratura profundamente deprimida no crânio de Thibeaux;

múltiplas fraturas de costelas em Dubínina e Zolotaryov;

- em todas as vítimas, foi observado o enchimento de órgãos internos, especialmente os pulmões, com sangue, sendo que este sangue tinha a cor escura (isto é, sem presença de oxigênio). Ambos os sinais estão sempre presentes na asfixia por compressão (sufocação);

- traços de defecação em Zolotaryov;

- estranho líquido espumoso nos pulmões das cinco primeiras vítimas; no caso de Doroshenko, tal líquido até escorreu da boca para a bochecha. Nos últimos quatro, por razões óbvias, este líquido já não foi encontrado. O perito não fez comentários sobre a sua origem, mas na medicina existe tal noção como o ebulismo, ou síndrome de ebulismo, isto é, formação de bolhas nos fluidos corporais nas condições de uma forte queda de pressão externa. O que nos leva novamente ao barotrauma.

Acrescentemos que, com a asfixia por compressão, a pele mesmo adquire uma cor rubra cianótica.

Uma vez que nas imediações não foram encontrados quaisquer vestígios da onda de explosão — não há cratera alguma, não foi quebrado nenhum arbusto, para não mencionar as árvores, — resta-nos apenas supor que contra os turistas foi empregado algum tipo de impacto de compressão desconhecido para nós, mas, obviamente, de ação dirigida. Foi a isso que se referiu Lev Ivanov. O resultado foi que todos os turistas sofreram barotraumas de diferentes graus, com o posterior congelamento. Zolotaryov, Thibeaux e Dubínina morreram por causas diretas dos traumas recebidos.

O poder traumático de grande potência foi direcionado para a parte superior dos seus corpos, e mesmo Aleksandr Kolevátov, que não recebeu graves traumas aparentes, tinha o nariz quebrado e o pescoço deformado na região da cartilagem tireoide — obviamente, ele sofreu o mesmo impacto de compressão. A gravidade dos traumas dos últimos quatro turistas, mais provavelmente, dependeria da posição do corpo de cada um deles em relação ao poder impactante: da face, do lado, meio virado, deitado na neve.

Aceitando esta versão, podemos explicar o fato da falta de qualquer lesão externa, enquanto há presença de graves traumas internos. Mesmo o misterioso fato do desaparecimento dos globos oculares (em Dubínina e Zolotaryov) e da língua com o diafragma bucal (somente em Dubínina), pode ser explicado pelo impacto de compressão: em primeiro lugar, um aumento drástico da pressão atmosférica, e depois, uma queda drástica até o vácuo, criando-se o efeito de “esgotamento” — aqueles que aplicaram alguma vez as ventosas, conhecem de tal efeito; também na obstetrícia moderna, é utilizada frequentemente a extração, ou "esgotamento" do feto, por meio de vácuo.

Aliás, algumas pessoas, observando essas peculiaridades dos traumas nos turistas, fizeram a pergunta: seria possível que naquele lugar estivesse sendo testada alguma “arma a vácuo”? Resposta: não, tais testes não foram feitos, pois os chamados “explosivos ar-combustível” na União Soviética começaram a ser desenvolvidos apenas 10 anos depois, a partir de 1969. Naquele mesmo ano, os Estados Unidos empregaram pela primeira vez uma determinada bomba no Vietnã para limpar o jângal, porque faz as árvores caírem muito eficazmente e em um grande espaço. Mas, onde estão as árvores caídas na Montanha dos Mortos? Segundo observou Vladislav Karélin (estudante do UPI e participante das buscas): “Na borda da floresta não foram danificados mesmo arbustos pequenos, onde cada raminho, cada agulha estavam no seu lugar”.

Por que somente em dois membros do grupo faltavam órgãos vitais? Encontrar-se-iam, provavelmente, em uma posição adequada, ou isso teria sido feito apontadamente, sendo dirigido especificamente contra eles? Neste caso, Zolotaryov e Dubínina seriam os primeiros na lista de vítimas da infame “mutilação humana”, na qual desaparecem de um modo misterioso nas vítimas, precisamente, os olhos, os lábios, a língua e outros órgãos.

lugar do incidente, 1º de fevereiro de 1959, perto da Montanha dos Mortos: 1 – tenda; 2 – cedro;
3 - riacho no barranco; 4 - corpos de Kolmogórova, Slobodín e Dyátlov; 5 – corpos de Doroshenko e Krivoníschenko;
6 - corpos de Dubínina, Zolotaryov, Kolevátov e Thibeaux-Brignoles; 7 (linha amarela) – Passo Dyátlov.

Em suma, a causa do perecimento dos dyátlovtsy chegou a ter vários fatores em conjunto:

- barotraumas de gravidade variável;

- impacto da energia radiante;

- efeitos de temperaturas extremas.

O fator humano neste processo não é notado.

Retrato do Assassino

Então, prezados leitores, que retrato do assassino emerge a partir de todas as nossas observações?

É evidente supor que se trata de um Objeto que emite luz e calor, sendo capaz de se mover rapidamente, mas também permanecer em um mesmo ponto por algum tempo e, provavelmente, utiliza o impacto de irradiação (calor) e o de compressão contra as pessoas.

Mesmo naquele tempo, em fevereiro de 1959, os socorristas suspeitaram de algo semelhante. Eis aqui, alguns trechos dos seus depoimentos no inquérito criminal.

K. Bardin e E. Shuleshko (Moscou), membros da comissão de rota e qualificação do presidium da seção de turismo da URSS, declararam: “A saída da tenda foi extremamente apressada, de modo que não permitia atraso de um só minuto. Turistas com tal experiência como os membros do grupo de Dyátlov, entendiam claramente que a saída para fora da tenda em estado seminu, nas condições da ausência de visibilidade, vento às lufadas e baixa temperatura, significava a morte. Consequentemente, a causa que obrigou os turistas a abandonar a tenda, poderia ser apenas o medo de uma morte iminente”.

Moisei Akselrod (graduado pelo UPI em 1959, engenheiro, turista, liderou uma das equipes de busca), declarou: “É minha firme convicção que, nada e ninguém por dentro não poderia incutir o pânico nos jovens. Por dentro quer dizer, de dentro da tenda mesmo. Então, eles foram obrigados a fugir por uma manifestação de alguma força externa. Se a tenda está fechada e todos dormindo, então, seria ora uma luz muito brilhante, ora um som muito forte, ou ambos juntos”.

Mikhail Sharávin (estudante do UPI, juntamente com Borís Slobtsov, encontrou a tenda dos dyátlovtsy): “Eu tenho uma opinião sobre a questão do por que eles terem abandonado a tenda tão urgentemente: foram fatores que os afetaram, provavelmente, um envenenamento. Eles não conseguiriam respirar. Caso houvesse um deslocamento da neve, eles não correriam em tal situação. Eu acho que foram os fatores associados com o desconhecido e com a incapacidade de continuar permanecendo lá. Não podiam respirar! (...) Foi por isso que eles correram”.

Para os turistas, o primeiro fator que os afetou com relação ao Objeto foi a comoção psicológica. Tal objeto de nenhuma maneira era familiar para os dyátlovtsy, sendo para eles algo inexplicável e imprevisível e, portanto, isso gerou pavor e pânico. Caso representasse qualquer dispositivo técnico compreensível, por mais perigo que representasse, o comportamento dos jovens engenheiros e estudantes teria sido diferente.

Vadim Brusnitsyn (estudante do UPI em 1959, participante das buscas pelo grupo), declarou: “(...)algo incomum, ainda não visto por ninguém, fez com que os turistas deixassem a tenda em pânico. Correr descalços, num tempo mau, durante a noite, para fora do único canto quente, seria possível apenas por medo de morte. Esse estranho fenômeno (luz que vem através da tenda, som, e, possivelmente, gases) estava atuando durante um longo período de tempo, apressando os turistas...".

O Objeto, ao se aproximar, não causou danos significativos, bloqueando apenas a entrada da tenda. Além do tumulto psicológico, ele fez com que os dyátlovtsy sofressem também outras formas de impacto sobre os órgãos dos sentidos, porque, como descobrimos, era uma luz muito brilhante e emitia calor, a partir do qual a neve se derretia. O mais provável é que foi precisamente naquele momento quando a cor da sua pele mudou, recebendo aquele estranho “bronzeado”, reparamos que a irradiação do Objeto parecia-se de certa forma com a de um forno microondas. Com isso, os filmes deixados na tenda não se estragaram na sua maior parte, ainda que algumas das fotos ficaram cobertas com manchas pretas de variados tamanhos.

Provavelmente, o Objeto estava criando também alguma espécie de redemoinho, porque a neve derretida na entrada congelou-se depois em forma de “costelas” afiadas (indicando presença de vento forte), e da tenda foram arrancados alguns cordões de extensão.

Por isso, os turistas não fizeram nenhuma tentativa de sair fora da tenda da forma habitual, já que a entrada teria sido bloqueada. Pelo contrário, o lençol que protegia a entrada da tenda como uma cortina, segundo relatado pelos socorristas, foi pressionado do interior por um balde puxado para ele, havendo também um machado dentro deste balde. Proteção contra uma luz penetrante e o calor?

A parede esquerda da tenda (vista do lado de fora e a partir da entrada) tinha um buraco, fechado com uma jaqueta. Tal buraco poderia ter sido feito para obter visualização, ou para encontrar direção da fuga – sendo que o buraco indicava precisamente a direção para o labáz! No entanto, os dyátlovtsy optaram por não sair daquele lado e cortaram a parede oposta.

Uma debandada em pânico pode explicar também a presença na tenda de uma vareta de esqui cortada com a faca. A tenda dos dyátlovtsy foi instalada nas varetas de esqui, o que significa que o seu teto era baixo, com cerca de um metro, o que é bastante apenas para se sentar ou se deitar. Entrando em pânico, eles mesmos romperam acidentalmente a montagem do telhado, que caiu sobre eles, de modo que ficaram presos como pássaros sob a rede. As varetas de esqui são longas, atingindo a axila ou ombro do esquiador, o que significa que, até a vara mais curta (a de  Zina) deveria ter cerca de 140 centímetros de comprimento. Obviamente, uma vareta cortada até um metro deveria sustentar o telhado a partir do interior, permitindo-lhes esticar o tecido e cortar a parede da tenda e assim, fugir para fora.

A julgar pelas pegadas, os turistas, saindo através dos cortes, imediatamente dirigiam-se abruptamente para a esquerda, para mais longe da entrada. Eles não tinham ideia de onde iriam por ora, o que é indicado pelo fato de eles não terem pegado na tenda o machado ou a serra, que poderiam lhes ser tão úteis na floresta. A tarefa principal era abandonar o mais rapidamente possível aquele lugar. Ninguém tentou voltar para pegar alguma coisa de precisão na tenda, após deixar a zona do perigo. Pelo contrário, deixando rapidamente a tenda, já a uma distância de 20 metros, eles passaram por alguns minutos de indecisão, pisando ora num pé, ora noutro, como se estivessem tentando decidir que tipo de morte preferir: aqui mesmo, ou tentar se esconder mais em baixo, sob o risco de se congelar até a morte. Neste momento crítico, eles deixaram cair mais outras peças de roupas, sem tentar pegá-las, como já vimos, porque se molharam.

Todo o raciocínio acima exposto é uma tentativa de construir uma hipótese consistente sobre o episódio do abandono da tenda, sem presença de outras forças de ordem humana.

Mas, o leitor pode dizer que tudo isto é apenas uma especulação, como dizem, “sem o corpo, não há caso”, mostre-nos o Objeto em si!

Com prazer.

Lembremo-nos, de que os turistas estavam ocupados nos últimos minutos de sua caminhada trágica: estavam fotografando.

Em 2009, os pesquisadores Aleksei Kóskin e Yuri Kuntsévitch obtiveram acesso ao arquivo pessoal do promotor criminal Lev Ivanov, que morreu na década de 1990. Neste arquivo, entre outras coisas, foram guardados os filmes fotográficos da caminhada dos dyátlovtsy, cujas fotos foram utilizados também por nós para ilustrar o presente trabalho. Lembramos que, ao juiz de instrução foi dito para retirar do caso “todo o desnecessário”, mas ele ficou tão impressionado com o caso, que conservou os filmes consigo até o final da sua vida.

E, como de fato resultou, o célebre quadro mostrando a instalação da tenda é seguido por outro: o último, 34º quadro daquela mesma câmera de Krivoníschenko, que foi instalada em um tripé e cujo filtro de luz acabou quebrado.

Aqui está ele, o retrato do assassino.

Este é o 34º quadro, o último batido, do filme fotográfico de Krivoníschenko. O filme fotográfico tem
mais de 50 anos e na imagem são notáveis as danificações em forma de cortes e arranhões.

Na imagem negativa, com as cores invertidas.

Na foto, pode ser visto um objeto brilhante voando rapidamente para o rumo da tenda. Esse objeto não é de tamanho pequeno e possui uma forma geométrica bem definida. A julgar pela nódoa de gelo com cerca de quatro metros, o seu diâmetro poderia não ser inferior aos cinco metros. Atrás dele, estende-se um rasto luminoso, que é normalmente fixado nas fotos de objetos em movimento tomadas com uma grande exposição.

A foto a seguir vem a confirmar ainda mais o fato de que a última ação dos turistas antes de fugirem para fora da tenda era a fotografia do objeto. Esta é a última fotografia do filme pertencente, presumivelmente, a Rustem Slobodín. O Objeto é tomado de um ângulo diferente. Pode ser visto que não houve tempo para focalizar a imagem ou pode ser também que o fotógrafo estava em uma posição instável ao fotografar o objeto que se movia rapidamente.

A última fotografia do filme pertencente, presumivelmente, a Rustem Slobodín.

Eu também creio que poderíamos ver muitas coisas interessantes no filme da câmera, a qual não foi deixada por Semyon Zolotaryov até o seu último momento. Ele morreu de terríveis lesões e de frio se agarrando a uma câmera na floresta noturna, mas, quem agiria assim se nessa câmera não houvesse algo extremamente importante? Mas, infelizmente, não existem tais imagens e, no inquérito, há menção de um filme fotográfico de 12 quadros, “muito danificado”. Talvez, seja o mesmo que permaneceu três meses no riacho, sobre o cadáver de Zolotaryov.

Mas é provável que o Objeto tenha surgido casualmente em uma das fotos de turistas e, por alguma razão, nenhum dos pesquisadores prestou atenção. Mesmo os próprios dyátlovtsy parecem não notar a presença de tal objeto, como se vê a seguir.


Breve descanso no prado.


Algo apareceu no céu. Mancha na imagem? Usando um editor de fotos comum, vamos realizar esses simples passos:
selecionemos o fragmento, ampliemos, transformemos em negativo...

Isto não é uma mancha, porque os ramos das árvores são vistos em cima dela. Removamos o contraste até o zero e obtemos...

Algo tão material como os ramos das árvores. Cada leitor pode fazer isso por conta própria. A forma do objeto
se assemelha suspeitosamente à forma da mancha escura no centro do objeto no negativo do 34º quadro.

O que aconteceu depois e como atuou o grupo após deixar a tenda, foi descrito em termos gerais na Parte 3 desse trabalho. Mas apenas em termos gerais, com base nos dados disponíveis.

A versão da “bola de fogo” explica tudo: uma debandada em pânico para fora da tenda, a falta de pegadas estranhas, a falta de lesões externas na presença de graves lesões internas, mudança de cor da pele, queimaduras, etc.

Em julho de 1990, na entrevista concedida a S. Bogomólov, jornalista de Sverdlovsk, o juiz de instrução Lev Ivanov, disse:

Eu tenho a minha própria explicação para o ocorrido. Você pode até mesmo colocar como manchete no jornal: ‘Promotor criminal opina que os turistas foram mortos por um OVNI!’ Aliás, eu supus isso ainda na época. Eu não pretendo afirmar de forma inequívoca, se essas bolas foram armas ou não, mas estou certo de que elas estão ligadas diretamente ao perecimento dos jovens”.

Em novembro de 1990, no seu artigo “O mistério das bolas de fogo”, Ivanov reiterou a sua versão sobre esse fenômeno como causa do perecimento dos dyátlovtsy, acrescentando:

"E, mais uma vez sobre as bolas de fogo. Elas existiam e existem. Mas é preciso não esconder o seu aparecimento, e compreender profundamente a sua natureza. A grande maioria dos informantes que se encontraram com elas, falam sobre a natureza pacífica do seu comportamento, mas, como você pode ver, também há casos trágicos. Era preciso para alguém intimidar ou punir as pessoas, ou mostrar a sua força, e eles fizeram isso... Eu conheço todos os detalhes deste incidente, e posso dizer que apenas aqueles que estavam dentro dessas bolas sabem mais que eu sobre essas circunstâncias. Mas, se havia ‘gente’ dentro das bolas e se eles estão lá sempre, até o momento, ninguém o sabe”.

Em 2008, com base nessas declarações do ex-promotor criminal, o “Centro da Investigação Civil da Tragédia dos Dyátlovtsy” escreveu uma queixa para a Promotoria regional. Nela, dizia-se que, dado o número de graves violações, como a pressão exercida sobre a investigação, a falsificação de suas conclusões, onde com as palavras “força maior insuperável” foram codificadas como sendo as tais “bolas de fogo”, era preciso reiniciar a investigação e descobrir o papel dessas “bolas de fogo” no perecimento do grupo de Dyátlov.

A resposta foi uma recusa, alegando que “os argumentos não contêm quaisquer novos fatos e circunstâncias que requerem verificação adicional, ou investigação”.

Como prova indireta das declarações de Lev Ivanov, pode servir o fato de que Andrei Kirilênko, primeiro secretário do comitê regional do Partido, que classificou o caso, estava literalmente obsesso pelo tema dos OVNIs. Depois de se mudar para Moscou no início da década de 1960, ele solicitou ao KGB registros de ocorrências semelhantes. No entanto, para os cidadãos soviéticos comuns, o tema dos OVNIs permaneceu reservado até a segunda metade da década de 1980. Como cantava na época Vladímir Vysotsky, o nosso famoso bardo, adorado por todos, “O assombroso está perto, mas é proibido”.

* * *

De acordo com a velha boa tradição de Sherlock Holmes, acredita-se que, uma vez rejeitado todo o impossível, o que resta, é a verdade, não importa quão improvável possa parecer.

Usando das nossas “navalhas”, nós tínhamos decepado as outras versões, e chegamos à conclusão de que a esfera luminosa, avistada naquela noite sobre os montes, mais provavelmente, esteja ligada da forma mais direta ao perecimento do grupo.

Não podemos dizer com certeza qual era a natureza dessa esfera. Até agora, ainda é um mistério para nós. Mas o que é um mistério? É tudo o que ora está temporariamente oculto da mente humana, ou não está disponível a ela de modo algum. No primeiro caso, trata-se de uma incompreensibilidade objetiva, por definição de Gabriel Marcel. É um problema que pode ser analisado e resolvido com o passar do tempo. No segundo caso, é uma incompreensibilidade que tem caráter “universal”, sendo inexplicável. O problema é definido, e o mistério, pressentido. Este é um confronto do não explicado e o inexplicável. Eu creio que o mistério do grupo de Dyátlov, todavia, pertence à primeira categoria.

Este mundo não está limitado pelas nossas noções sobre ele. As tentativas das pessoas céticas em explicar todos os casos incomuns com o jogo da imaginação, as ilusões de ótica e as alucinações vêm de apenas duas razões simples, mas fundamentais: a soberbia e o medo. Na União Soviética, fomos ensinados desde a infância que “o homem é o rei da Natureza”. O antropocentrismo, em sua essência, é uma das manifestações da soberbia: “unicamente existimos nós, e o mundo está em nossas mãos!”. Na qualidade de um instrumento de conhecimento do mundo ao nosso redor, tal abordagem não presta para nada: faz limitar demasiadamente os nossos horizontes e nos faz perceber os acontecimentos de modo preconcebido, empurrando-nos dentro dos limites de matrizes e raciocínios banais. No caso do grupo de Dyátlov, as hipóteses geralmente limitam-se aos esquemas habituais de criminosos, serviços secretos malvados, explosões de projetéis, ataques de animais, etc.

Mas na maioria dos casos, as pessoas que rejeitam todo o incomum, simplesmente têm medo, porque se nós assumirmos que existe algo além do nosso controle ou compreensão, então a vida se torna muito instável, difícil e desconfortável. Muito mais fácil é pensar que neste mundo existem apenas as coisas familiares. Tal ceticismo é uma reação protetora da psique, que declara falsa qualquer informação desconfortável e perturbadora, para depois se esquecer disso e se acalmar.

Qualquer que fosse a natureza da bola de fogo, que deixou os seus rastos em fevereiro de 1959, uma coisa é certa: naquela noite, o grupo de Ígor Dyátlov aceitou corajosamente um combate desigual com o Desconhecido na encosta leste do monte Kholat Syakhyl. E nesta batalha, os jovens mostraram suas melhores qualidades humanas: firmeza, senso de camaradagem e perseverança.

Solução ou um novo mistério?

Elas existiam e existem”. Assim se referiu às bolas de fogo Lev Ivanov. De fato, a Cordilheira dos Urais parece ser um dos habitats destas estranhas “bolas”: elas foram avistadas desde há muito e continuam sendo avistadas até hoje.

No folclore mansi, existem lendas sobre uma terrível deusa chamada de Sorni Nai, que significa “Sol de Ouro” ou “Luz Dourada” (Sorni – “ouro”, Nai – “fogo” no sentido sagrado, como uma divindade), que às vezes sai para uma terrível caça, acompanhada de uns ajudantes menores, mas também luminosos... Ela semeia morte e destruição.

Como aparenta essa cruel deusa? Sorni Nai segue por cima dos cedros, sem deixar pegadas. Um estrondo da morte acompanha a sua caça, uma luz impiedosa cega à sua vítima. Mas a deusa não está interessada nos corpos das vítimas, senão apenas na sua “força vital”. Tal conclusão foi tirada pelos caçadores mansi ao encontrarem corpos de pessoas e animais sem sinais de violência e, tampouco sem sinais de vida. Os mansi tinham muito medo dessa deusa feroz, ofertando-lhe em sacrifício, o sangue de animais, como um acumulador da “força vital”. Agora, a “deusa” tem que buscar os sacrifícios por ela mesma.

Representação artística do pintor Vladislav Ivanov para a deusa Sorni Nai, da cultura mansi.

Os incidentes com Yuri Yakímov, mestre mineiro da cidade de Severouralsk, localizada perto do Passo Dyátlov, e com Valentín Rudkovsky, inspetor da guarda da reserva Dênezshkin Kâmen, localizada na mesma área, obrigam-nos a jogar novos olhares sobre as lendas e fazermos uma pergunta a nós mesmos: realmente há muito de ficção nessas velhas histórias?

O mestre mineiro Yuri Yakímov trabalhou em 2002 na área de Ivdel, já familiar para nós, na pedreira para extração de bauxita.

Yuri Yakímov, na conferência anual em memória do grupo de Dyátlov,
realizada nos dias 1º e 02 de fevereiro de 2013 (imagem de frame do vídeo).

Em 11 de setembro de 2002 ele estava de plantão à noite. Além dele, não havia ninguém na pedreira no momento.

Às 23 horas ele teve que acender as poderosas lâmpadas elétricas que iluminavam a parte sul da pedreira, para inspecionar os equipamentos. Na escuridão, ele viu que a 200 metros dele, o declive da camada de minério estava iluminado com alguma espécie de luz branca oscilante. Como se um carro com os faróis de halogênio acesos estivesse oscilando verticalmente e com rapidez, iluminando o declive com essa luz. Tal luz vinha da floresta, de leste para oeste. Não se ouvia nenhum som vindo daquela direção.

De repente, a partir da fonte desconhecida, a luz começou a virar através da floresta na direção de Yakímov, iluminando-o. Ele correu para o transformador e rapidamente acendeu a iluminação da pedreira. Mas, ainda estava se dirigindo para o seu lado uma ampla faixa de luz néon lívida e proveniente de uma fonte desconhecida. Toda a floresta ao redor estava iluminada com uma brilhante luz branca. Estava mais claro do que no dia, mas não havia sombras das árvores.

Yakímov ficou por trás da cabina transformadora por cerca de três minutos; a luz, como que a contragosto, começou a girar em outra direção. Mas bastava dar apenas uma olhada para a fonte da estranha luz para ver como estava e ela voltava imediatamente na direção de Yakímov. Além disso, começaram a se separar da fonte algumas espécies de “lanternas oscilantes”, que começaram a se mover na direção do homem. Quanto mais tempo Yakímov estava olhando para elas, maior tornava-se o número dessas “lanternas”. Mas, bastava-lhe virar para outro lado, as luzes paravam. Apenas depois de algum tempo, o mestre mineiro percebeu que estavam reagindo à sua vista. Isso foi inexplicável, causando ansiedade e medo.

Escondendo-se atrás da cabina de transformação, Yakímov começou a gritar, “Quem causa esse alvoroço?”, e até mesmo a ralhar em voz alta. O objeto não reagiu aos seus sons. Logo veio o barulho de um caminhão de muitas toneladas de peso, que estava se aproximando; o objeto nem mesmo reagiu a esse som, mas Yakímov sentiu um alívio. Ele olhou novamente para o objeto, e em seguida, o raio se virou em sua direção. “Decidi não olhar mais o destino e fui-me embora”, lembra Yakímov. Á 01:00, quando os operários do turno noturno se reuniram no refeitório, ele contou aos companheiros sobre o que viu, mas ninguém acreditou nele.

De manhã, ele visitou a pedreira, mas não encontrou qualquer rastro do objeto.

Duas semanas mais tarde, quando o episódio começou a ser esquecido aos poucos, Yakímov leu em um pequeno jornal local, na seção de ecologia, que um dos inspetores da reserva Dênezshkin Kâmen, chamado Valentín Rudkovsky, encontrou-se com um semelhante fenômeno inexplicável no território daquela reserva. Tratava-se do mesmo “aparelho luminoso” (termo dado por Yakímov) e as mesmas “lanternas” multiplicáveis.

Ficando pasmado com aquilo, Yakímov decidiu se encontrar com Rudkovsky. No mapa, determinou a distância da pedreira de bauxita até a reserva, onde trabalhou o inspetor e calculou que seriam 40 quilômetros.

A cidade de Ivdel, a reserva Dênezshkin Kâmen e o Passo Dyátlov estão localizados
na mesma área em que foram registrados avistamentos luminosos.

Era preciso entrar em contato com Rudkovsky, especificando a data do incidente. Infelizmente, várias tentativas para se encontrar com o inspetor não tinham levado a nada; depois, o interesse de Yakímov pelo assunto começou a se desvanecer, estourando novamente apenas três anos depois.

Serviu-lhe como impulso para isso, a história do trágico perecimento do grupo de Dyátlov, conhecida por Yakímov através de um programa da tevê russa.

E, desta vez, o mestre mineiro finalmente encontrou-se com o inspetor Rudkovsky. O inspetor contou a Yakímov o episódio inteiro do seu encontro com o misterioso “aparelho luminoso”, ocorrido em 29 de agosto de 2002. Yakímov anotou o seu relato, após ter verificado todos os dados pelos diários de trabalho de Rudkovsky.

Normalmente, os inspetores de uma reserva trabalham juntos, mas naquela noite Valentín Rudkovsky estava sozinho. Às 22 horas armou uma fogueira, fez o chá, mas não teve tempo para comer, pois viu um facho de alguma luz forte. A luz era como a de néon ou de halogênio, brilhava como um holofote e iluminava a floresta a aproximadamente um quilômetro de distância. A fonte de luz estava a uma altura incerta a partir do solo, encontrando-se a distância de 150 a 200 metros de Rudkovsky. A luz estava vindo do oeste para o leste.

Interessado no fenômeno, o inspetor começou a olhar fixamente para o raio de luz e, em seguida, do outro lado, apareceram duas “lanternas”, oscilando.

“(...) Sempre que eu olhava para essas lanternas, era como se as pessoas que estavam com elas viessem em minha direção, aproximando-se extremamente rápido. Pensei que alguém queria pregar uma peça ou assustar-me, acercando-se daquela maneira da minha fogueira. Vestindo-me rapidamente, decidi assustá-los. Pus-me as botas, peguei a espingarda e sai para encontrá-los. Passei uns 20 metros, escondi-me atrás de uma kolódina [tronco de árvore caído] e comecei a olhar na direção das lanternas. Estas começaram a se aproximar de mim demasiadamente rápido e mais precisamente quando eu estava olhando para elas”.

Estava quieto ao redor, não havia nenhum som estranho. Rudkovsky solevantou-se de trás do tronco caído e as “lanternas” estavam a aproximadamente uns 50 a 70 metros dele. Entretanto, já não era só duas, mas umas sete ou oito.

Elas estavam me cegando. Imediatamente deitei-me sobre o chão, atrás da kolódina, virando-me ao contrário das lanternas. Mas, bastava-me levantar a cabeça e olhar para elas que, novamente, elas se aproximavam, voltando a me iluminar e a cegar”.

O inspetor passou uma hora e meia deitado atrás da árvore caída. Não estava olhando para a fonte de luz. Depois, viu que as “lanternas” oscilantes deslocaram-se, brilhando já não mais a partir do leste, mas a partir do norte, já a uma distância de 50 a 70 metros dele.

Durante esse tempo, eu percebi que me deparei com algo incomum, pois não eram humanos, mas alguma outra coisa, algo inexplicável... Percebi que essas lanternas reagem unicamente ao meu olhar e decidi verificá-lo. Acendi um fósforo, comecei a fumar - nenhuma reação”.

As “lanternas” situavam-se perifericamente a cerca de 100 metros de distância da fonte de luz principal. O inspetor aproximou-se da fogueira, tentando não olhar para o “aparelho”, nem para as “lanternas”. A fogueira já estava consumida, assim que ele abasteceu-a novamente, aqueceu a comida e jantou.

E então, eu vi que a partir da fonte principal, o raio estava brilhando não apenas do oeste para o leste, mas também do norte para o sul, ou seja, a partir da mesma fonte estava irradiando uma forte luminescência, tipo holofotes, em duas direções.

Sob essa luz, podia ser vista cada folha de grama, mas as árvores não emitiam sombras. Eu não olhei para a luz, comecei a fumar e sentei-me para descansar perto de um cedro. Durante todo o tempo que permaneceu essa luz, eu não emiti qualquer som da minha voz, nem atirei.

Às 2:30 ouvi uma crepitação muito alta, como a de uma forte descarga elétrica, e toda a luz desapareceu. Depois disso, surgiu um forte vento, que durou de dois a três minutos. Então, novamente houve silêncio. Após isso, eu descansei perto da fogueira pelo resto da noite.

Na manhã, revistei a área onde se encontrava a fonte dessa luz e as lanternas, mas não descobri nada suspeitoso ou incomum”.

Há de se acrescentar que, após esse episódio, Rudkovsky adoeceu por um longo período.

Quão semelhantes são essas descrições com a lendária e deslumbrante Sorni Nai, com os seus ajudantes “brilhantes”, buscando a próxima presa!

O que aconteceria com o mestre mineiro e o inspetor de guarda da reserva, caso eles continuassem a olhar para as “lanternas”? Quiçá, teriam sido encontrados mais dois corpos privados de “força vital”, e dois enigmas mais para a gente procurar entender?

Yuri Yakímov fez as seguintes conclusões sobre o “aparelho luminoso”:

- aparece na noite com o escurecer, sem um som, irradia durante 4 a 4,5 horas e deixa o lugar após romper um som parecido ao de uma forte descarga elétrica (crepitação), logo que a luz se “desliga”, um vento forte estala por dois a três minutos;

- a fonte de luz pode se encontrar tanto no solo, como por cima dele;

- a luz é emitida pelo “aparelho” da mesma forma como o faz um holofote, sendo parecida com a luz das lâmpadas alógenas ou de néon;

- não reage às lâmpadas elétricas, ao fogo ou cigarro aceso, à voz da pessoa, à energia térmica da pessoa, aos sons dos carros;

- reage unicamente ao olhar da pessoa (e, talvez, ao de um animal). A partir da fonte principal de luz, rapidamente aproximam-se na direção do homem, as “lanternas” oscilantes, como se estivessem procurando o olhar humano;

- as luzes (“lanternas”) podem percorrer através da floresta, multiplicando-se e oscilando. O seu número aumenta de dois a oito;

- a luz da lanterna cega o homem, assim como a luz dos farois ou de uma forte lanterna elétrica e não produz sombras das árvores.

Se assumirmos que naquela trágica noite, o grupo de Dyátlov encontrou-se com este fenômeno, seria possível tirar conclusões adicionais: o “aparelho” é agressivo para com os humanos. Um longo olhar para este fenômeno produz a sua reação de resposta em forma de um raio de luz e o aparecimento das “lanternas” que se multiplicam, sobre cujo objetivo podemos fazer meras suposições, mas, sem dúvida, sempre no sentido mais desfavorável para os seres vivos.

Devemos supor que, o grupo de Dyátlov, ao observar o “aparelho”, decidiu tirar-lhe uma foto, deste modo, os olhares de nove pessoas chamaram a sua malvada atenção. No último quadro tomado por Krivoníschenko, ao lado do grande objeto, é visível também o segundo, menor...

Agora, Yuri Yakímov está firmemente convencido de que os turistas do grupo de Dyátlov depararam-se precisamente com o “aparelho luminoso”, e que este os destruiu. Ele relata que muitas vezes tem um mesmo sonho:

Na noite, em uma nevasca, um grupo de pessoas está caminhando pela profunda neve para baixo da montanha... Uma intermitente luz branca está perseguindo-os. Estou tentando alcançá-los, mas os meus pés estão fracos. Eu caio na neve e grito para eles, que estão se afastando: ‘Ígor, leve os companheiros mais longe na floresta, para onde há mais ramagem seca! Acendam uma grande fogueira, aqueçam-se! Não tenham medo de fazer uma fogueira, esta luz não reage ao fogo, responde apenas ao olhar humano! Há que sobreviver essa noite, vão voltar para a tenda na manhã!’. Mas eles não me ouvem e caminham cada vez mais longe na noite. E ficam apenas as pegadas deles, que a nevasca está cobrindo”.

O fato de o Objeto permitir aos dyátlovtsy percorrerem a uma distância de 1,5 quilômetros da floresta, virados de costas para a tenda, onde se encontrava o perigo, nos faz perguntar: talvez, Yuri Yakímov tivesse razão, e a bola de fogo era precisamente daquele jeito?

Ainda ocorrem encontros com o desconhecido no Passo Dyátlov? Às vezes acontecem. Esta imagem, por exemplo,
foi feita por uma expedição no local do perecimento do grupo, em agosto de 2012 (por Aleksandr Kóshkin).

 
Fragmento ampliado da mesma foto.

Justo acrescentar que, no nosso país, também outros grupos e indivíduos encontraram-se de perto com as tais “bolas” e “bolinhas” de fogo, e nem todos esses encontros tiveram final feliz.

Mas essas já são outras histórias...

Conclusão

Após o perecimento dos turistas do grupo de Dyátlov, aquela área permaneceu fechada por três anos para as atividades dos grupos turísticos: simplesmente não era concedida a permissão para seguir por essa rota. Nada de conspirações: na URSS, a proibição era a maneira favorita e mais fácil para resolver um caso complexo, reação normal dos órgãos partidários e administrativos soviéticos para as situações fora de seu controle; era assim imposto perante o medo dos novos estados de emergência, aos quais ninguém queria assumir a responsabilidade.

Yuri Yúdin, o único sobrevivente dos dyátlovtsy, que deixou o grupo no início da caminhada, chegou a ser engenheiro, trabalhou toda a sua vida na fábrica da cidade de Solikamsk, onde na década de 1990 foi vice-prefeito para a economia e a previsão. Agora está aposentado. Ele não abandonou o turismo, foi presidente do clube turístico Pólo (“Полюс”), em Solikamsk, inclinando muitos jovens para o caminho de turismo.

Engenheiro Yuri Yúdin, na atualidade.

Em 1963, Yúdin, junto com os turistas do UPI, instalou uma placa memorial com inscrição em um dos ostântsy (termo russo para formações rochosas isoladas e íngremes, mais comumente conhecidas como buttes), perto do qual estava instalada a tenda dos seus companheiros falecidos:

ELES ERAM NOVE. Sob este passo, numa noite de nevasca, em 2 de fevereiro de 1959 faleceram os turistas do UPI: Dyátlov Í., Kolmogórova Z., Doroshênko Yu., Slobodín R. Krivoníschenko G., Kolevátov A., Dubínina L., Thibeaux-Brignoles N., Zolotaryov S. Em memória dos que se foram e não voltaram, temos chamado este passo com o nome do grupo de Dyátlov”.

Memorial instalado próximo ao local de perecimento do grupo.

Durante as tempestades, o vento assobia tristemente do monte Otortén, cinzentas nuvens desgrenhadas deitam-se em cima da Montanha dos Mortos, um corvo solitário às vezes se senta sobre o ostânets, como um zeloso guardião dos mistérios locais.

Hoje, ninguém no mundo inteiro pode imaginar com certeza absoluta os detalhes de tudo o que tiveram que experimentar os turistas do grupo Dyátlov naquela fatídica noite. Kholat Syakhyl é um monte escalvado, e isso nos produz a associação com o Calvário, pois realmente tornou-se um calvário para os dyátlovtsy.

Eles levaram consigo os detalhes das últimas horas das suas vidas para lá, de onde não há retorno.
E aqui, eles ficaram eternamente jovens...

Lembra Valentina Tókareva, amiga de Zina Kolmogórova, em 1959, estudante do UPI e turista:

Recebi a última carta de Zina Kolmogorova de Serov, e depois, apenas em fevereiro soube sobre o perecimento do grupo.

Por 45 anos tenho guardadas as cartas dos meninos. Você não tem ideia de como eram nobres, inteligentes e honestos. Sim, não levam aos maus para as árduas caminhadas: apenas uma caminhada - e a pessoa é vista distintamente, não vão levá-la para a outra”.

Eis o que Zina escreveu para Valentina, estando sentada no trem com todos os dyátlovtsy, saindo para a última caminhada:

“E o trem está indo, em três horas estaremos em Serov. Doutro lado das janelas, levanta-se a taiga do Ural. Apesar de tudo, minha querida, é bom viver neste mundo. Sabes, tenho certo ânimo, triste e alegre ao mesmo tempo.

(...) Vive, Valyushka, alegra-te com as coisas boas. O que há de fazer se às vezes houver tristeza? Depois de tudo, há que viver! Verdade? Temos de ver apenas as coisas boas da vida, então, viver será mais alegre. Dou-te a minha palavra, que tudo vai ficar bem”.

Aos poucos, a trágica história desta caminhada está se tornando uma lenda. Sobre os dyátlovtsy, a gente está compondo poemas e canções, escrevendo novelas, produzindo artigos e filmes. Cada vez com maior frequência, as pessoas vêm para o Passo Dyátlov, encantadas com esse mistério.

Agora, uma nova geração de turistas deposita flores no memorial, no local do perecimento desses rapazes e moças, que um dia tiveram a mesma idade deles; e, sentados ao redor das suas fogueiras, tendem a imaginar, o que aconteceu realmente naquele lugar há mais de meio século.

P.S.: Após publicação do presente trabalho, chegou a triste notícia, em 27 de abril de 2013, na cidade de Solikamsk, Yuri Yudin morreu após uma longa e grave doença. Ele vinha sofrendo de varizes; a Fundação Dyátlov ofereceu pagar-lhe uma operação, mas Yudin rejeitou. Em 4 de maio a urna com suas cinzas foi enterrada em Yekaterimburgo, no cemitério Mikháylovskoye, ao lado dos túmulos dos outros membros do grupo. Após 54 anos, ele alcançou os seus companheiros. 
   
* Natália P. Dyakonova é licenciada em Filologia, diplomada em Pintura, autora de uma serie de artigos sobre a Literatura, Arte e História. Pesquisadora e historiadora por inclinação. É consultora e correspondente em Moscou para o diário digital Via Fanzine e da Rede VF (Brasil). É editora do blog Protocivilización.

- Tradução: Oleg I. Dyakonov.

- Revisão final e adaptação: Pepe Chaves.

- Imagens:
- As fotos do grupo tomadas pelos próprios turistas estão na internet em livre acesso, receberam a divulgação após o dossiê do caso ter sido acessado pelos pesquisadores.
- O mapa de rota foi confeccionado pela autora a partir de imagem do Google Earth. 

 ARTIGO PUBLICADO NO ORÁCULO SOB AUTORIZAÇÃO DO GRUPO VIA FANZINE.
- Produção: Pepe Chaves
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