O INCÊNDIO QUE PAROU SÃO PAULO ! Entre as chamas e a ação desesperada dos bombeiros, um corpo cai-não era o primeiro, nem foi o último NA MANHÃ TRÁGICA, FOGO E CHUVA SE MISTURARAM NUM PESADELO CRUEL EM QUE A IMPORTÂNCIA DOS SOCORROS AUMENTAVA O DESESPERO DAS VÍTIMAS.
Foi uma das maiores tragédias do século no Brasil. Primeiro dia de fevereiro, mês de alegria. Sexta-feira , véspera do fim de semana. Nove horas da manhã, quando todos iam para o trabalho. Tudo aconteceu de repente no centro de São Paulo, a megalópole brasileira que em 10 anos terá ultrapassado Nova Iorque e será a maior cidade do mundo. São Paulo não parou, apenas. Toda a sua população tomada de pânico concentrou seu pensamento numa só ideia : a ideia da morte .
Essa morte que na grande cidade se tornou bem mais complexa e dramática do que se possa imaginar. De quem a culpa?
Basicamente de todo um modo de vida que as catástrofes , a poluição, a neurose, e a violência já começam a questionar com brutalidade. O saldo: medo , angústia e muitas vidas perdidas- muito mais do que podem indicar as frias cifras oficiais. E talvez uma lição amarga, portadora de mudanças que façam alguma coisa para que desastres como os incêndios do Andraus e o do Joelma não se repitam.
O EDIFÍCIO JOELMA TINHA POUCO MAIS DE DOIS ANOS. O FOGO CONSUMIU TODOS OS ANDARES ACIMA DO 9 |
PELAS JANELAS DO PRÉDIO, ENORMES LÍNGUAS DE FOGO ESPALHAVAM A MORTE E O TERROR ENQUANTO GROSSOS ROLOS DE FUMAÇA PREJUDICAVAM A AÇÃO DOS BOMBEIROS E DOS HELICÓPTEROS, PARA O DESESPERO DE TODOS. |
O RESGATE ERA A UNICA POSSIBILIDADE DOS OCUPANTES DO JOELMA ESCAPASSEM COM VIDA. CADA PESSOA SALVA REPRESENTAVA UM ALENTO PARA OS QUE AINDA ESTAVAM AMEAÇADOS. |
A DECIDA ERA LENTA , E CADA DEGRAU VENCIDO TORNAVA PRÓXIMA A SALVAÇÃO. PARA ALGUNS, ENTRETANTO,FOI TARDE DEMAIS.
MUITOS, AO SALTAREM, COLOCARAM EM PERIGO AS EQUIPES DE SALVAMENTO, ANGUSTIADAS DIANTE DA TRAGÉDIA. |
NO PÁTIO INTERNO DO EDIFÍCIO JOELMA , SOBRE O ASFALTO MOLHADO PELA AÇÃO DOS BOMBEIROS, O FIM DOS QUE SALTARAM PARA A MORTE. NÃO ERA POSSÍVEL FAZER MAIS NADA.
MUITOS DOS QUE HAVIAM SAIDO DE CASA TRANQUILOS PARA O TRABALHO ESTAVAM, POUCAS HORAS DEPOIS, DESPEDAÇADOS SOBRE S ESCADAS. NO PÁTIO INTERNO DO EDIFÍCIO, CADÁVERES CARBONIZADOS DAVAM A IMPRESSÃO DE QUE O LOCAL FORA CASTIGADO POR BOMBARDEIOS.
ASSIM QUE OS HELICÓPTEROS COMEÇARAM O RESGATE , AS VÍTIMAS RECOLHIDAS DO ALTO DO JOELMA ERAM TRANSPORTADAS PARA HELIPORTOS D E PRÉDIOS VIZINHOS , COMO O DA CÂMARA MUNICIPAL.
ALGUNS DOS SOCORRIDOS APRESENTAVAM QUEIMADURAS GRAVES E SINTOMAS DE INTOXICAÇÃO, QUE ERA COMBATIDA COM LEITE, LEVADO EM GRANDE QUANTIDADE. |
O ESTADO DAS VÍTIMAS ERA, EM GRANDE PARTE DOS CASOS,CHOCANTE. FOI PRECISO MUITO SANGUE-FRIO E CORAGEM DOS SALVADORES PARA MANTEREM FIRMEZA DURANTE TODO O TRABALHO DE SOCORRO. |
DEPOIS DE ALGUMAS HORAS, OS QUE PARTICIPAVAM MAIS DIRETAMENTE DA TAREFA DE SALVAMENTO ACABAVAM ARRASADOS DIANTE DA DOR E DO SOFRIMENTO DAS VÍTIMAS. |
ENQUANTO NA RUA OS SERVIÇOS MÉDICOS SE MULTIPLICAVAM PARA ATENDER AS PESSOAS RESGATADAS, NO TELHADO DO JOELMA A ANGUSTIA AINDA ERA CONSTANTE. PARA OS QUE PERMANECIAM LÁ, A SALVAÇÃO VEIO DO ALTO.
NO DIA SEGUINTE, ESTA ERA A IMAGEM DO GIGANTE DE CONCRETO DEPOIS DA TRAGÉDIA. AS VIDRAÇAS ESTRALHAÇADAS, ESCOMBROS POR TODA PARTE E OS PRIMEIROS PERITOS EXAMINANDO OS DESTROÇOS. |
TRÊS DRAMAS NUMA SÓ FOTO: NO CHÃO, UM CADÁVER,EM PÉ, UM HOMEM EM DESESPERO. NO BANHEIRO , UM RAPAZ QUE PROCURA CONSERVAR O SANGUE FRIO. |
José Roberto Natari estava no décimo nono andar quando percebeu as primeiros chamas . Vencido o choque inicial , foi a janela e olhou para baixo. Leu o modesto mas solidário aviso anônimo rapazinho e compreendeu, que lá, ad rua, alguma coisa seria feita para salvá-lo. E decidiu ajudar-se em primeiro lugar cumprindo assim a primeira e mais importante etapa de sua sobrevivência: dominou-se e procurou raciocinar com clareza, vencendo a fumaça que lhe ardia nos olhos e a névoa que sentia, pesada e trágica, dentro de si mesmo. Se continuasse naquele andar, fatalmente acabaria torrado. Descer era impossível e subir era a unica coisa que poderia realmente fazer. Mas como? Os corredores estavam tomados pelo fogo e aquela barreira de linguas vermelhas e amarelas teria de ser enfrentada na raça. Apertando as fraldas da camisa contra o nariz e a boca, lançou-se de encontro á aquela móvel muralha de chamas e conseguiu atingir as escadas.
O calor era terrível. Ele se sentiu cozido. Num momento de desânimo, encostou as mãos na parede e percebeu que o calor era pior que o próprio fogo.A parede estava incandescente. Com esforço e muita vontade de viver, conseguiu chegar ao terraço. Umas 100 pessoas lá estavam, entregues ao desespero, correndo de um lado para o outro sobre as telhas., procurando uma salvação que tardava. Alguns poucos gritavam pedindo calma. Porém a maioria urrava de dor. Quase todos se aproximavam da amurada para o salto fatal. José Roberto Natari conseguiu deter muitos, mas alguns escapavam do controle e conseguiam abreviar o sofrimento - abreviando a propria vida.
O tempo custava a passar e a situação no terraço era cada vez pior. As chamas diminuiam mas o calor aumentava de minuto a minuto. Era impossivel pisar o chão. Lá embaixo, a multidão olhava as escadas Magirus., e os bombeiros mal atingiam os primeiros andares. A salvação dos que estavam no terraço não poderia vir da terra-mas do céu. E o céu, naquele instante era um imenso e compacto rolo de fumaça negra.Natari sentia o peito estourar, seus pulmões estavam cheios de gases. De repente, estalou dentro de sua carne o apelo da morte: Bastava chegar á amurada e saltar. Tudo terminaria em poucos segundos. A suia resistência estava no fim. Neste instante, a silhueta de um helicóptero desenhou-se entre a fumaça. Mesmo para um leigo em matéria de salvamento, era óbvio que a operação de resgate seria difícil: O prédio não oferecia condições de pouso, tudo seria problemático mas não impossível. Natari decidiu que poderia salvar-se e resolveu esperar. Teria de suportar por muito tempo ainda o calor e a fumaça, mas para ele e para as quase 100 pessoas que ali restavam a vida continuava. No entanto, para 182 pessoas a vida bruscamente se interrompeu naquela manhã de sexta-feira, primeiro de fevereiro de 1974. Estateladas na calçada, depois de um vôo pelo espaço, ou calcinadas nos corredores, salas e banheiros do edificio , elas comporiam o tragico saldo de uma das mais alucinantes e terriveis catastrofes urbanas de que se tem noticia. Em sua maioria, as vitimas trabalhavam na Crefisul, uma poderosa companhia financeira que alugara a parte superior do edificio Joelma para ali instalar seus escritorios.
E o prédio, em si, não era um pardieiro caindo pelas tabelas. Muito pelo contrário, tratava-se de um edificio novo, construido há pouco menos de dois anos, com todos os chamados requisitos de conforto e segurança.-até prova ao contrario- era garantida pelo habite-se das autoridades competentes. O inquértto que a Prefeitura de São Paulo mandou abrir responderá a muitas questões levantadas por mais este desastre , mas a conclusão final- a menos que se prove uma ação criminosa-revitalizará aquele antigo substantivo polissìlabo abstrato : fatalidade!
Segundos depoimentos, até agora não contestados, o fogo se originou num aparelho de ar condicionado no décimo segundo andar. Na sociedade de abundância dos dias de hoje, os aparelhos elétricos fazem às vezes das antigas pontas de cigarro que causavam os chamados sinistros de outros tempos. O homem moderno habituou-se ao conforto mecânico e não prescinde mais de mil aparelhos inofensivos e garantidos. Entretanto, são eles a besta negra dos peritos em incêndios: enquanto não for apurada outra causa, a tragédia do Joelma- como a do Andraus, dois anos antes, -correrá por conta da sobrecarga de força necessária para garantir a amenidade climática dos escritórios e residências. Amenidade, por sinal, que não foi a tônica das declarações do comandante do Corpo de Bombeiros de São Paulo, coronel Jonas Flores Ribeiro Júnior: ''Esse prédio, como muitos outros, não oferece a menor segurança. As escadas são estreitas demais e dificultam nosso trabalho. O sistema de água é uma calamidade. Precisa haver mais seriedade nas construções.'' Horas depois do inicio do incêndio, a policia recebia sob reservas as declarações de uma telefonista que se salvara nos primeiros instantes: segundo ela, uma voz de homem anunciara pouco antes, pelo telefone, que o prédio pegaria fogo. Oficialmente, a informação da moça da moça foi considerada de rotina: sempre que ha desastres desse tipo surgem depoimentos semelhantes.
APAGADO O INCÊNDIO, ENTERRADOS OS MORTOS, A VIDA CONTINUA EM SÃO PAULO, COM O GOVERNO ESTADUAL VIVAMENTE EMPENHADO EM IMPEDIR QUE SE REPITAM TRAGÉDIAS IGUAIS ÀS DOS EDIFICIOS ANDRAUS E JOELMA.
Publicado originalmente na Revista Manchete de 16 de Fevereiro de 1974 Na manhã de segunda-feira, as autoridades voltaram a considerar a hipótese de que o incêndio tivesse sido criminoso : num dos andares foi encontrada uma lata de tinta thinner, material altamente inflamável . E um dos peritos que conseguiu entrar no prédio , nos primeiros momentos do fogo, viu e fotografou alguns focos, reparando que as chamas eram claras e sem fumaça- o que poderia talvez, configurar uma ação criminosa.