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Regina Helena Paiva Ramos, Entrevista Exclusiva com uma Lenda Viva do Jornalismo

  Regina Helena Paiva Ramos é uma das mais brilhantes e arrojadas jornalistas brasileiras. Sua história de vida rica e fabulosa se confunde com a do jornalismo brasileiro. Aos 93 anos, segue muito ativa e vívida mantendo sua vitalidade e bom humor misturados com uma sagacidade ímpar. É uma verdadeira escola tanto para  quem gosta de comunicação quanto para a vida de qualquer um.  Ela  nasceu na cidade de São Paulo, onde reside atualmente. Se formou pela Faculdade de Jornalismo Cásper Libero em 1953.  É aposentada, só escreve em casa. 

Regina Helena Paiva Ramos em sua casa


Iniciou seu trabalho jornalístico no jornal “O Tempo”, depois passou para “A Gazeta”. Trabalhou sempre em dois empregos e passou por grandes veículos da comunicação brasileira, como as revistas “Manchete”, “Fatos e Fotos”, “Revista Jóia”, “Construção em São Paulo”, “Popular da Tarde”, “Casa e Jardim”, TV Excelsior, TV Bandeirantes, e se aposentou na revista “Visão”, como editora de “País”. Também trabalhou durante a ditadura no jornal “O São Paulo”, sob a direção de D. Paulo Evaristo Arns, sob censura.  Esteve em Angola como jornalista e passou cerca de 10 dias com os guerrilheiros da UNITA – União para a Independência Total de Angola. Atualmente é editora do seu blog Escrevinhações, publicando artigos e ensaios de sua autoria.

 Já escreveu dois livros, um deles dedicado a seu pai “O livro de meu pai. Um quase romance” (RG Editores, 2018), apresentando a biografia do médico Manoel de Paiva Ramos um homem avançado no tempo.   Um pediatra muito conhecido . já o segundo e mais recente, ''Vento Endiabrado''(Ed.Almedina, 2024) um romance praiano em que destaca o linguajar caiçara , algo que sempre chamou a atenção desta.


Confira a seguir a esta entrevista fabulosa na qual vamos viajar pela própria história da midia brasileira recente.   

Entrevista exclusiva com Regina Helena de Paiva Ramos Jornalista e escritora Por Dante Villarruel e Pepe Chaves Para os portais Oráculo / Via Fanzine  


Oráculo– Como surgiu para a senhora, o gosto pela leitura, depois pela literatura e também pela comunicação? Foi ainda na infância? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Logo que fui alfabetizada comecei a ler Monteiro Lobato e fiquei apaixonadíssima por leituras. Mais tarde, um tio que estudara em Coimbra iniciou minha formação literária me dando livros importantes, todos de autores portugueses. Li Camilo Castelo Branco, Eça, Camões, Garret, Gil Vicente e aos 16 ou 17 anos ganhei os “Sonetos Completos” de Florbela Espanca, que ninguém aqui no Brasil conhecia. Foi assim. E comecei a escrever contos, novelas, romances. Todos péssimos, claro. Eu era muito garota, escrevia tudo errado! 


Oráculo – Nos tempos da ditadura brasileira a senhora trabalhou com jornalismo. Poderia nos contar um pouco desse ofício, em uma época onde imperava a censura em nosso país? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Minhas atividades no jornal A Gazeta eram na editoria cultural, assim nunca tive problemas. Mas trabalhei em O São Paulo, jornal da Cúria Metropolitana de São Paulo, dirigido por D. Paulo Evaristo e aí senti o peso da censura. Todo o material redigido era revisado pela censura. Que cortava o que achava que devia cortar. Então substituíamos por anúncios em branco, só com o dizer ‘Leia e assine O São Paulo’. 

Foto da década de 70, Regina com Cláudio Petraglia e o cineasta Glauco Mirko Laurelli no Egito.
  


Oráculo – Profissionalmente, a senhora guarda alguma lembrança destes tempos de censura e do banimento da democracia no Brasil? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Sim, eu acompanhava tudo, as prisões, os assassinatos. E o tempo em que trabalhei em O São Paulo ficou para sempre gravado. 

Oráculo – Poderia nos falar um pouco de seus trabalhos ligados à tevê, a teledramaturgia e ao teatro? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Eu queria muito escrever para o teatro. Mas só fiz isso tardiamente. Tive uma peça montada por grupo amador de Santos, dirigida por Afonso Gentil – isso lá pelos 50 anos – e aos 70 escrevi um texto que foi montado por Rosamaria Murtinho e ficou em cartaz por quase três anos. Hoje tenho várias peças. Sempre procurando quem queira montar. 

Oráculo – A senhora se formou pela Faculdade de Jornalismo Cásper Libero em 1953. Como foi sua trajetória profissional a partir de sua formação? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Meu primeiro emprego foi no jornal O Tempo, dirigido por um homem que a história do jornalismo brasileiro reverencia: Hermínio Sachetta. Depois fui para a Gazeta, trabalhei nas revistas Casa E Jardim. Manchete, Construção em São Paulo nos jornais Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa (Rio) e nas tevês Excelsior e Band. Aposentei-me na revista Visão, como editora de “País”. 

  Regina com   Cláudio Petraglia numa expô sobre o Corcovado (Regina escreveu juntamente com ele a peça teatral sobre a construção do Redentor).

Oráculo – Para a senhora, o que mudou no jornalismo do século passado para o atual? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Mudou tudo. Não só as técnicas de se fazer jornal como o jeito. 

Oráculo – Como a senhora vê o nascimento de novas fontes de informações, através da Internet e de outros meios digitais que levam a informação rapidamente ao público? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Tem dois aspectos. O bom é a informação chegar rapidamente ao público. O mau é os jornalistas de hoje darem muita ênfase à nova tecnologia, usando muito o Google (que não é cem por cento confiável) e fazerem muita matéria pelo WhatsApp. Entrevista, para mim, é sempre melhor quando feita “olho no olho”. Fora o problema das fake news. 

Oráculo – Como jornalista, a senhora esteve em Angola e passou cerca de 10 dias com os guerrilheiros da UNITA (União para a Independência Total de Angola). Poderia nos contar um pouco sobre esta experiência no país africano? 


Regina Helena de Paiva Ramos – Foi fantástica! Entrevistei Jonas Savimbi, o presidente da Unita na savana africana, um homem que falava cinco línguas e mais catorze dialetos africanos. Convivi com os guerrilheiros que tinham toda uma infraestrutura funcionando na mata – ou no mato, como eles diziam – hospital, área de atendimento aos doentes e/ou soldados feridos (onde se faziam até amputações), escolas, jornal, rádio, tevê. Uma experiência única! 

Oráculo – A senhora também fez televisão com o competente Cláudio Petraglia, diretor, roteirista e novelista falecido em 2021. Em que resultou este aprendizado e como era sua relação com Petraglia? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Minha relação com Cláudio Petraglia era de irmão, companheiro, amigo, pessoa incrível que o covid levou embora. Me faz muita falta. Quando ele me convidou para trabalhar na Band eu não sabia nada de como se fazia tevê. Logo de cara disse que não iria por causa de minha ignorância no assunto. Me respondeu que para trabalhar em tevê eu precisaria de três coisas: nunca dizer a alguém que eu não sabia alguma coisa. Ter muita curiosidade para aprender. Nunca ter hora para voltar pra casa. Aceitei e deu certo. 

 Em Portugal, recentemente, no casamento de uma prima.

Oráculo – Em 2018 a senhora lançou “O livro de meu pai. Um quase romance” (RG Editores, 2018), apresentando a biografia do médico Manoel de Paiva Ramos, seu pai. O que a senhora poderia nos contar sobre este trabalho? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Achei que devia a meu pai um livro sobre ele. Um homem avançado no tempo. Na década de 30 e já um pediatra muito conhecido, adotou a homeopatia. Aos 80 e tantos anos viajou para a Inglaterra para fazer, em Oxford, um curso sobre radiestesia. Receitava cloreto de magnésio quando ninguém conhecia isso. Aceitava e estudada medicina popular, ervas, chás. Achava que o médico devia curar com o que estivesse à mão e acreditava nas águas minerais, indicava temporadas em Águas da Prata, Poços de Caldas, São Lourenço. Meu pai era assim. Contei tudo isso no livro. 

Oráculo – Soubemos que a senhora conheceu pessoalmente a escritora Cecília Meireles. Como foi esta experiência essa consagrada poeta brasileira? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Eu a vi apenas três vezes. Fiz uma entrevista com ela. Gostei demais de conhecê-la e se fosse falar sobre Cecília teria que escrever um livro. Nos encontros que tivemos só posso dizer de sua simpatia. E beleza. 

 Regina com a atriz Miriam Mehler no lançamento do livro "Vento Endiabrado".

Oráculo - A senhora trabalhou nos anos 60 na conceituada revista Manchete. Como era o dia a dia nesta revista no auge da publicação? A senhora chegou a vivenciar alguma história com o saudoso proprietário Adolfo Bloch? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Só vi Adolfo duas vezes. Eu trabalhava na sucursal paulista da Manchete, ele morava no Rio. Conheci muito sua primeira mulher, Lucy Bloch, fundadora da revista Joia. Ela sim, conheci bem. Bonita, inteligente, moderna, fazia a revista com competência impar. Convivemos muito por que fui a repórter dela em São Paulo. 

Oráculo – A senhora também trabalhou na revista Visão, que depois foi comprada pelo jornalista e empresário Henri Maksoud. Como foi seu trabalho nessa revista?

 Regina Helena de Paiva Ramos – Trabalhei na Visão quando a revista já era propriedade de Henri Maksoud. Tive muito contato com ele. Na redação, éramos dirigidos por Isaac Jardanovski, colega que eu já conhecia há tempos. Gostei muito de trabalhar na Visão. Entrei como repórter, aposentei-me como editora de “País”. Onze anos de Visão. 

Oráculo - Quando Pelé faleceu em 2022, a senhora postou em suas redes sociais fotos exclusivas do rei do futebol, quando de sua atuação na novela “Os Estranhos” da TV Excelsior, em 1969. Na época A senhora era assessora da TV Excelsior. Poderia nos falar um pouco dessa passagem com Pelé e como foi trabalhar na TV Excelsior? 

Regina Helena de Paiva Ramos – A Excelsior era a Globo de hoje. Todos os grandes atores e atrizes estavam lá. Como assessora de imprensa eu assistia muito às gravações. Quanto a Pelé, bom profissional no sentido de respeitar a direção. Estava sempre cansado e, de vez em quando, tirava uma soneca atrás dos cenários enquanto a vez dele atuar não chegava. Simpático, brincalhão. Mas vamos lá: não era um primor de ator, embora se esforçasse... (risos). 

 Regina no lançamento do romance "Vento Endiabrado".

Oráculo - A TV Excelsior teve um final bem emblemático ao ser fechada pela ditadura militar, por suposta perseguição ao proprietário Wallace Simonsen Neto. Dizem até que a TV foi criada para dar força política para a família Simonsen que já era perseguida. Pelo que a senhora sabe, o que há de verdade nisso tudo? 

Regina Helena de Paiva Ramos – É uma história complicada. A ditadura censurava muito a Excelsior, como censurava todos os meios de comunicação. Mas ela não fechou apenas por causa disso. Houve seguidas más administrações, incêndios, gastos além das possibilidades, não pagamento de impostos. Vivi na Excelsior o antes e o depois que ela fosse comprada pela Folha. Aí foi uma desgraça. O mesmo aconteceu com o jornal A Gazeta quando foi assumido pela Folha: fechou. Mas no caso da Excelsior, foi fechada por nunca ter pago os tributos federais. Devia uma enormidade de impostos. E ficou me devendo alguns salários... 

 Regina com seu sobrinho bisneto no mês passado. ( Ela tem quatro sobrinhas netas e dois sobrinhos bisnetos)

Oráculo – Para a senhora, como é passar dos 90 anos de idade com tanta vitalidade e consciência? Como a senhora avalia essa nova realidade de tempos atuais, com mais qualidade de vida e o acesso dos mais velhos às novas tecnologias? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Nem todos os mais velhos se dedicam às novas tecnologias. Há os que se recusam. Quanto a mim, quando comecei a trabalhar em jornal meus chefes escreviam com caneta tinteiro. Fui me adaptando a cada uma das tecnologias que se apresentavam e me habituei a aceitar o que vinha pela frente. E cá estou eu, aos 93 anos, teclando no computador e lançando livros. Estar velho é bom! A gente sabe das coisas um pouco mais que os outros. E vai-se remando. Eu ajudo meu corpo a aguentar a idade: faço ginástica duas vezes por semana, hidro duas vezes por semana e fisioterapia às quartas-feiras. Assim mesmo é difícil. Guio carro, faço supermercado, vou à farmácia, providencio tudo para a casa, encontro amigos, vou a teatros bebo meu vinhozinho e gim. Adoro gim! 

Oráculo - Que mensagem a senhora gostaria de deixar para as pessoas, especialmente jovens, que gostam de trabalhar na mídia? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Dizer sempre a verdade, desconfiar de tudo o que lê, checar muito bem as notícias – e as fontes – e procurar informação, informação, informação. Oráculo - O que a senhora viu de especial na vida e qual o significado dela na sua opinião? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Se eu fosse falar sobre o que vi na vida teria que escrever uns dez volumes de memórias. Neste espaço não dá! E o que é a vida? Ninguém consegue definir. Para mim é uma estrada, a gente vai andando, tropeça, erra, acerta, resmunga, sorri, ama, estranha, sobe, desce, tropeça de novo, mas a estrada é longa. Só é curta para quem morre cedo. 

Regina em Paris, com uma afilhada portuguesa, Isabel Cruz, há 5 anos

 


Oráculo – Recentemente a senhora lançou seu livro “Vento Endiabrado”, onde é descrito um romance praiano. Nos fale um pouco sobre este trabalho? 

Regina Helena de Paiva Ramos – Costumo dizer que levei 70 anos para escrever esse romance, o tempo que eu conheço o litoral de São Paulo e sua gente, sua cultura, seu modo de falar e de viver. Muito pouca gente sabe que os caiçaras têm um linguajar próprio, pitoresco e único. Os personagens do meu romance falam nessa linguagem. As pessoas estão gostando de “Vento Endiabrado” e eu estou feliz de estarem gostando. 

Oráculo – Agradecemos pela entrevista e pedimos para deixar sua mensagem final aos nossos leitores. 

Regina Helena de Paiva Ramos – “Mensagem final: sejam felizes! E comprem meu romance, vou ficar encantada com isso!

Blog Escrivinhações de Regina Helena Paiva Ramos Escrevinhações – Autora Regina Helena Paiva Ramos (wordpress.com)