Pular para o conteúdo principal

Caso Norton Uma história emblemática


Florianópolis - 15 de julho de 1989. Era noite fria de inverno. Moradores da avenida Hercílio Luz, centro de Florianópolis, estavam em suas respectivas casas assistindo pela tevê a luta entre os boxeadores Adilson Maguila e Evander Hollyfield na Band. O cenário aparentemente tranqüilo não refletia a intenção de uma quadrilha disposta a tudo para adquirir um veículo Escort. E tinha que ser Escort.

No momente exato em que Maguila nocauteava Hollyfield, o colunista Norton Batista da Silva, conhecido, admirado e odiado por muitos, era assassinado com seis tiros. Ele conduzia um Escort. A tragédia, que abalou a sociedade catarinense, aconteceu às 23h30. E até hoje, tanto tempo depois, os criminosos continuam impunes apesar de o Ministério Público ter denunciado seis homens. Eles teriam sido os responsáveis diretos e indiretos pelo crime, segundo as alegações finais do MP.

Com base num princípio jurídico - quando existe a dúvida não condena-se ninguém - o juiz de direito Alexandre D'Ivanenko optou pela absolvição de todos os sete acusados. No entanto, o magistrado foi contundente ao discorrer sobre a sua decisão: "Com relação à autoria do crime, concluo que seus agentes devem ser tidos e classificados como animais irracionais, quer pela ausência de formação psicológica, personalidade destrutiva e ou, grau de dependência toxicológica irreversível... Porém, juridicamente, no caso em espécie, sou forçado a concluir de que os autores não foram identificados e conhecidos de molde a reconhecer-se a autoria".

Apesar da resolução, o caso poderia tomar novos rumos em 1999, 10 anos depois.  O promotor de Justiça, Raul Rogério Rabello, recorreu da sentença do juiz, em dezembro de 1998. Ele se baseou nos próprios autos e na convicção de que os seis acusados participaram direta ou indiretamente no crime para tomar tal atitude. "A prova está dentro dos próprios autos. Há autoria e materialidade", garantiu o promotor.

A mesma linha de pensamento foi seguida pelo Ministério Público. O encarregado de analisar o recurso, o promotor convocado Rui Carlos Kolb Schiesler, também optou pela anulação da sentença de D'Ivanenko. Restavaa votação dos desembargadores da Câmara Criminal do TJ.

Mas, como se supunha, não foi uma tarefa fácil para os juízes. O desembargador Antônio Fernando do Amaral e Silva, primeiro a receber a incumbência de ser o relator da apelação, se deu por impedido. O caso então passou para as mãos de Paulo Benjamin Fragoso Galotti, desembargador promovido para o Ministério do Superior Tribunal de Justiça. E depois, o recurso passou para um outro relator.

Assassinos mataram para
roubar o carro da vítima
Florianópolis - O crime aconteceu de maneira calculista e trágica. Segundo os autos do processo, no dia 15 de julho de 1989, por volta das 20 horas, em frente ao bar Degraus, na rua Vidal Ramos, no Centro de Florianópolis, se iniciou toda a trama. Norton Batista da Silva, que completaria 43 anos no dia 10 de outubro daquele ano, não estava nos planos do grupo assassino.

A quadrilha queria somente um veículo Escort, para substituí-lo por um outro carro da mesma marca que havia sido empenhado a um traficante em troca de cocaína. E, para que isso fosse possível, o veículo teria que ser roubado. Foi então, segundo versão oficial, que os acusados, e posteriormente absolvidos, Cláudio Cristovão da Silva; Luiz Carlos Martins Filomeno, o Magrão; Mário César Vidal; Maurício Marques Vieira Filho; Osni Silva de Souza, o Ni; e Fábio Dalsasso Padaratz, se encontraram para traçar o plano.

A idéia do furto do Escort teria partido de Magrão e Mário César. A proposta teria sido aceita por todos. Com a estratégia montada, os seis homens, divididos em dois carros: uma Caravan e uma Brasília, deram umas voltas pelas ruas da cidade mas não encontraram o Escort que queriam.

Decidiram então ficar em um lugar fixo. Magrão, Mário César e Fábio Comeli, que estavam na Caravan, estacionaram o veículo em frente da casa nº 19 da avenida Hercílio Luz, Centro de Florianópolis, lugar onde o colunista Norton foi assassinado. Em seguida, a Brasília chegou com Maurício, Osni e Cláudio. Todos os acusados ficaram a espera de algum veículo do tipo combinado. O carro apareceu. E Norton Batista Silva era o condutor.

O colunista cedeu aos acenos dos acusados, pois, Fábio e Maurício eram jovens conhecidos das rodas sociais da cidade. De comum acordo, segundo os autos, os acusados cercaram o Escort e exigiram que a vítima o entregasse. Percebendo a intenção de roubo, Norton acionou o dispositivo anti-furto do seu carro. Então os acusados o agrediram a socos e coronhadas.

A vítima foi arrancada de dentro do seu veículo. Norton tentou fugir. Mas a 15 metros do Escort o colunista foi atingido por seis tiros: um na coxa esquerda, quatro no peito e um no lado esquerdo da face.

Após o crime, segundo os autos, Mário César, Luiz Carlos e Fábio entraram no carro do colunista e tentaram escapar com ele. Mas, devido ao dispositivo anti-furto, o trio não conseguiu tirar o carro do lugar. Então, sob os olhares de moradores da localidade, os três homens abandonaram o automóvel e fugiram. Os demais já tinham escapado na Brasília. Norton morreu a caminho do Hospital de Caridade.

Amigo diz que crime
foi praticado por traficantes
Florianópolis - Apesar do processo tratar o crime como latrocínio (matar para roubar), um dos poucos amigos de Norton, o também colunista social Moacir Benvenutti, garante que a vítima foi morta por fornecedores de cocaína e maconha da Grande Florianópolis. "Ele (Norton) vendia droga para os jovens da sociedade. Mas para fazer isso ele comprava, e na maioria das vezes não cumpria com o pagamento. Era um meio para incrementar a sua renda", denuncia Benvenutti.

A nova versão para o caso não é aceita pela polícia. O delegado responsável pelas investigações da época, Renato Hendges, garante que a denúncia é totalmente inconsistente e sem fundamento. "Todos sabiam os passos de Norton. Interrogamos até quem se relacionou com ele. E todos foram unânimes em dizer que ele era uma pessoa que não se envolvia com o tráfico", explica o policial.

Norton era natural de Tubarão, no Sul do Estado. Chegou em Florianópolis no início da década de 70. Começou a lecionar Inglês, mas a sua paixão era o jornalismo. Escreveu para o Jornal Santa Catarina, mantinha um programa na TV Cultura e era responsável pelo programa Gente, na rádio União.

Testemunha
Embora tenha presenciado o crime do colunista social pela janela da casa da sua ex-noiva, o tenente Marcos Aurélio Silva, 24 anos é época, diz que não fez o retrato falado de pelo menos um dos assassinos porque não pediram. Alega que na época a polícia não tinha o sistema de informática que existe hoje. "Me mostraram, dias depois do crime, sete pessoas. Mas nenhuma delas se parecia com as três que eu tinha visto", justifica.

O delegado Renato Hendges garante, porém, que o policial se sentiu ameaçado e decidiu silenciar. Diz que na época colocaram na janela da casa da ex-noiva do tenente uma seringa suja de sangue. E isso, segundo o policial, teria amedrontado o PM.

Apesar de não lembrar da fisionomia dos criminosos, Aurélio não hesita em descrever um deles: era loiro, tinha o cabelo jogado para o lado e usava jaqueta preta. 

O jornal Notícias do Dia, de Florianópolis, publicou uma matéria lembrando o caso na sua edição de final de semana em julho de 2006. Não citava o nome dos suspeitos e dos envolvidos, apenas fez um histórico do crime e suas circunstâncias. Mesmo assim, a certa altura do sábado, a direção do jornal teria tomado uma decisão, no mínimo, curiosa: recolher das bancas os exemplares que ainda restavam.

O dono de banca que falou nisso não soube explicar os motivos, apenas que a empresa mandou recolher os jornais depois do meio-dia. E além disso, jornaleiros relatam vendas de até 20 jornais para uma mesma pessoa. Eles achavam que a movimentação teria a ver com os cupons para ganhar um faqueiro ou algum anúncio que teria sido publicado errado.

Na segunda-feira comentava-se, em rodas de jornalistas, que o motivo do estresse era mesmo a matéria sobre o Caso Norton. A direção do jornal teria atendido aos apelos do pai de um dos envolvidos, que ficou incomodado com a exposição, mais uma vez, do caso.Quando o caso fez 15 anos, em julho de 2004, o colunista Cacau Menezes publicou uma nota, no Diário Catarinense do dia 13/7, em que rememorava, de forma sintética, o caso. Um trecho:
“O crime rendeu amplos espaços na mídia, chegando a ser tema do programa Linha Direta, exibido pela Rede Globo. (...) Na época, após intensas investigações, seis pessoas foram presas e indiciadas em inquérito policial. A investigação, conduzida pelo delegado Renato Hendges, apontou que tráfico de cocaína, roubo de automóveis, seqüestros, estupros, invasões de domicílio, agressões e sessões de picadas em carros e apartamentos estavam por trás de um crime que abalou a opinião pública de Santa Catarina.”

Um crime, portanto, que tem todos os ingredientes para manter o interesse permanente dos leitores e telespectadores, pelo menos enquanto continuar misterioso, impune e gerando fatos pitorescos a cada vez que é relembrado.NORTON NA LISTA DA SIP
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP na sigla em espanhol) faz o registro sistemático dos assassinatos de jornalistas. O objetivo é acompanhar eventuais pressões contra a liberdade de imprensa.

O curioso, no caso específico do Norton, é que embora ele esteja na lista, muito provavelmente não foi sido morto por causa de sua profissão (já que ele era colunista social e edicava-se mais mais a fazer amigos e elogiar personalidades do que a denunciar e investigar), mas os jornalistas que escrevem sobre o seu assassinato não raro se incomodam . Há hipóteses de que um importante membro da política catarinense e que na época era notório playboy conhecido da sociedade,estava envolvido no caso, o que explica o silêncio das investigações, bem como o filho de um importante proprietário de um veiculo de comunicação de Florianópolis.


Norton é citado como um dos 299 jornalistas assassinados na América Latina, entre novembro de 1987 e abril de 2006 (está entre os 29 mortos no Brasil neste período) e consta do site da Unidade de Resposta Rápida do projeto Crimes Sem Castigo Contra Jornalistas, da SIP. O objetivo é exercer pressão para que os crimes sejam esclarecidos e em conseqüência, inibir a violência contra jornalistas. O fotógrafo Marco Cezar, autor da foto do Norton que o Notícias do Dia publicou (abaixo   ) estava irritado com o uso do seu material sem autorização. Ele era fotógrafo do jornal O Estado na época do crime e segundo ele a foto utilizada agora estava no arquivo do jornal e ninguém o procurou para negociar a publicação em outro veículo. Isto só mostra que mexer com o Caso Norton é mesmo uma coisa muito complicada e com enorme potencial de confusão. Norton além de possível vendedor de drogas também sabia quem fazia uso da mesma na sociedade. Bibliografia: A  Notícia